Víktor Ferrando

Exposição «Planet Ferrovia Sector IX Via Lusitânea» – Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco 15 Novembro 2014 – 5 Abril 2015

por Mariana Salgueiro

Depois da abertura do Centro de Cultura Contemporânea em Outubro de 2013, com a exposição “Arte Latino Americana”, que apresentou obras da Coleção Berardo, a exposição “Planet Ferrovia Sector IX Via Lusitânea” veio dar continuidade ao programa do CCCCB. Esta nova exposição, comissariada por Guida Maria Loureiro, veio apresentar várias instalações de Víktor Ferrando.

O artista valenciano teve um percurso eclético e sobretudo autodidata, porém, nesta exposição, assume o seu interesse pelo futurismo italiano, começando logo pelo texto que abre a exposição, o ponto 11 do Manifesto Técnico do Futurismo (1912), escrito por Filippo Tommaso Marinetti.

Ainda antes de entrar no espaço do Centro de Cultura Contemporânea somos cumprimentados por quatro grandes esculturas de material ferroviário reutilizado, que nos elucidam sobre o tipo de material com que este artista trabalha. Embora num primeiro momento tenha pensado que representavam peixes, as grandes esculturas são a reflecção de um imaginário ligado ao espaço. As esculturas-instalações representam Neptuno, Vénus, Marte e Titã.

No interior, as cinco salas do primeiro piso são espaços amplos que albergam as instalações que nos contam a primeira parte da história. Na primeira sala, a peça “Marinetti Il Desinfectadore”, Ferrando introduz o mote futurista da narrativa e faz uma homenagem ao Futurismo italiano. Com especial destaque para Marinetti, personalizado na figura central, os percursores do futurismo são representados pelas malas de viagem flutuantes. Contudo, esta afirmação de influências é revelada numa imagem depressiva, que recorda o que foi abandonado nos campos de concentração nazis após a chegada dos Aliados. É uma partida para um novo lugar, que não se sabe se é bom ou mau, deixando uma terra abandonada, solitária.

Na segunda sala, Ferrando cria uma instalação que tem como intenção dar dimensão material ao Movimento Fluxus, em que normalmente é o artista o próprio suporte da arte. Esta peça é descrita como um pedido de ajuda para pôr fim à fome especialmente dirigido ao presidente dos EUA, Barack Obama. Contudo, esta intenção nem após a leitura da folha de sala se torna clara, talvez porque a estética do artista é muito pessoal e é especialmente virada para o seu próprio sentimento e não se parece preocupar em comunicar com o público.

“DJ Lambreta” e “Simbiotic Interlock”, que ocupam a terceira e quarta salas, respetivamente, fazem uso de alguns elementos comuns. As lambretas e o carro são símbolos de uma tecnologia decadente que se alimenta do ser humano e que o esvazia de poder sobre si próprio. Em “DJ Lambreta” o manequim decapitado é um ser humano autómato, que não funciona por si, e em “Simbiotic Interlock” vemos como a tecnologia não funcionaria sem humanos, mas que estes se continuam a deixar dominar e destruir dessa forma.

“Desolation” é a última peça do primeiro piso e termina a primeira parte da história. Tendo em conta as peças anteriores, esta é minimalista, com elementos isolados e desolados, espalhados pelo chão. Os significados de cada peça são descritos de forma complexa, mas a peça atinge o objetivo de passar uma ideia de abandono e tristeza sem precisar de explicações rebuscadas.

A quinta sala apresenta um vídeo sobre o artista que se resume à passagem de um conjunto de fotografias tiradas noutros espaços onde a exposição “Planet Ferrovia Sector IX Via Lusitânea” foi apresentada. Esteticamente não é muito relevante, nem introduz informação que revele magicamente os significados escondidos das restantes peças da exposição, daí ser perfeitamente dispensável.

Ferrando sugere com as últimas duas peças uma colonização de Marte, após a destruição da Terra – a narrativa das primeiras peças. A estética torna-se mais acessível nos últimos dois momentos, o que nos leva a perguntar se não deveriam ser, por isso, as primeiras peças a apresentar – é uma questão para a curadoria.

A sexta sala mostra, assim, um conjunto de cinco esculturas inspiradas nos satélites de Marte. A estética é semelhante à das peças exteriores, que representam planetas, mas é acompanhada por cabeças humanoides: crânios transparentes, mostrando cérebros, e cara tapada com máscaras de gás: uma Humanidade desumanizada. A peça seguinte, uma estrutura que sustenta formas de sapateiro sobre carris, é uma marcha de um exército ou tao somente de um povo pobre à procura de melhores oportunidades sobre um novo terreno, ainda por conhecer. A ideia de evasão da Terra ganha aqui uma atualidade brutal, especialmente numa altura em que assistimos à destruição do nosso próprio planeta. Fazemos mesmo um paralelo com outras expressões deste sentimento de preocupação com o planeta, com filmes como “Interstellar” (2014) – atualmente nomeado para os Óscares – ou documentários como “Cowspiracy” (2014).

Ao terminar a visita a palavra que fica, acima de tudo, é desolação. É um sentimento de vazio amargo de uma Humanidade expulsa da sua própria casa. A reutilização de materiais úteis, ou seja materiais com um outro fim que não o estético-artístico, é um elemento que aumenta a sensação de abandono e de desumanização presente em toda a exposição. Mesmo nos últimos momentos da exposição – em que, segundo a narrativa, a Humanidade se expande, chega mais longe e ocupa outros planetas – o sentimento de desumanização ainda está presente: a humanidade não é mais humana, é metálica, vazia.

No exterior, a mensagem parece, contudo, mais otimista – à noite, brilhante mesmo (as instalações têm leds que acendem à noite). Esta é uma chamada de atenção para um Universo com muito por descobrir, muita luz para procurar. É também interessante perceber que a exposição começa e termina neste mesmo ponto, com as instalações exteriores, que representam planetas: o eterno Universo, que já existia muito antes de existir a Terra e continuará a existir muito depois da Humanidade desaparecer.