Artur Ramos – Exposição «O Corpo da Fisionomia» – Faculdade de Belas Artes, Galeria das Belas Artes, Lisboa. Portugal – 9 Maio – 29 Maio 2019
por Rui Miguel Dias Carvalho
Título “Danae”
A exposição de Artur Ramos, com a designação “o corpo da fisionomia”, de 9 a 29 de Maio de 2019, na FBAUL (Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa), remete-nos para uma viajem ao universo do retrato da figura humana, sob o ponto de vista do autor.
Existe uma aura muito ímpar no conjunto das obras expostas, que só existe pelo conjunto e pela sua disposição que nos leva ao longo de um caminho que começa na ligação à natureza da figura humana, através do seu corpo totalmente nu, ambas em comunhão cúmplice; uma simbiose visual em que ambas as partes ganham notoriedade e relevo enquanto objetos de arte “retratável”. A conexão estética entre o objeto “paisagem natural semisselvagem” e o “corpo feminino” vislumbra-se não só na harmonia das cores, nos pontos de fuga que convergem vindos de um ponto do distante, até aos observadores, e pela súbita “elevação ao estado selvagem” e humano de todos nós.A certa altura, a coloração ocre e um pouco amarela, em aproximação a tom de pele, que nos surpreende no corpo humano, até ai cinzento, desperta um ponto de viragem, no que diz respeito à nossa “vã apatia” de espetadores: e de novo a arte volta a ser independente do mundo, sendo não só, embora também, representação dele. Existe uma tensão latente entre a busca do detalhe, para alcançar a semelhança, e o inacabado, quando se antecipa o momento em que o modelo “foge de cena” se exposto por tempo demasiado ao impacto da envolvente ou se já não suporta a sua posição estática, característica de uma pose. Estes corpos semipintados são aqui o grande elemento delator desta velocidade de trabalho, mas também, e talvez sobretudo, da tentativa de tornar a obra mais próxima de uma determinada ideia de beleza e perfeição, elevando, pela inclusão da subjetividade, a dignidade da arte e do artista. Existe portanto um estado inacabado que é subjetivo e que tem forte impulso devido à própria natureza da rapidez do trabalho de retrato mas igualmente um valor muito próprio que o artista lhe reconhece, levando-o a incluir na exposição exemplos em que essa subjetividade é claramente óbvia e representativa do universo de resultados do seu empenho.
Ao continuarmos o nosso caminho, verificamos que existe na exposição um percurso que leva o visitante através da observação do corpo, a cabeça como elemento de uma pose com algum erotismo, até que se repousa o olhar em diversos retratos, imagens de cabeças e rostos. A cabeça está presente em todos os trabalhos expostos, relembrando-nos do seu papel enquanto padrão de medida para o desenho proporcional de todo o corpo. Adicionalmente, como é na expressão facial que podemos tentar adivinhar a vida mental, é no seu retrato que o trabalho de Artur Ramos tem um dos seus maiores desafios, pois, se é verdade, que na parede ao fundo do corredor surge um conjunto desafiante de tentativas de captação de temperamentos, diversidade de olhos, golpes de vista e universos pessoais, “a alma espelhada nos olhos”, também é verdade que mesmo no retrato de todo um corpo esse desafio se mantém, porque a cabeça faz parte desse todo corporal, sendo o já referido padrão, com limites rigorosos mas contendo no seu espaço interior alguma margem de interpretação livre por parte do artista.
Conclui-se que além do maior grau de inacabado ou subjetividade existe sempre também um detalhe decisivo e, por vezes, também um eventual distanciamento em perfil, em contraste. As cores utilizadas são o branco, o preto, gama de cinzentos criando imagens com um impacto muito clássico. Estamos então perante uma nova surpresa, com “um imaginário quase estatuário” familiar das Antiguidades Helénica e Românica e lembramo-nos que existem e existiram na vida do autor, múltiplas oportunidades de retrato, uma nostalgia do não feito, que o parece acompanhar, pois que sendo Professor de Retrato na FBAUL, nos parece querer transmitir, desta forma visual, algum sentir, após anos de um olhar cuidado voltado para as linhas humanas decalcadas pelo tempo [e pela genética?] nas faces de quem se quis “aceitar ser objeto de arte”.
Sente-se que José Artur Ramos procura elevar o seu trabalho além do óbvio, criando raízes sólidas, exigentes e rigorosas, para um percurso que, tendo como objetivo fixar em suporte físico uma imagem artística do presente que se reflete nas formas dos modelos retratados, fixa também o presente do próprio, porque cria, na minha opinião, uma identidade autónoma, um cunho pessoal, face a outros artistas, sem se demarcar totalmente. Os seus retratos são sobretudo uma quase indelével busca de beleza superior e o resultado de uma ânsia para compreender outras pessoas e transmitir esse conhecimento pela via visual, sedimentada através da mãe de todas as artes visuais: o desenho.
Em resumo: existe um antes e um depois de nos encontrarmos no mesmo espaço físico destas obras. Não importa a forma “natural” ou “normal” como o artista digna e humildemente nos fala do seu trabalho, o que realmente nos marca é a reinvenção da vida, para melhor, que experimentamos ao contemplá-la estática, nos momentos do tempo captados através do trabalho de desenho de retrato.
Título “Estudo para Pietá”
Fotos Copyright © Leonor Fonseca