Tatiana Macedo: 1989 – Descobrir a distância – Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa – 21 Novembro 2015 até 31 Janeiro 2016
por Rita Morais Carvalho
A lógica do distanciamento na perspectiva que marca o olhar não é um conceito caracterizável pela sua novidade. Ela existe desde sempre. Percebê-la, porém, assume outros contornos. Pese embora a distância seja entidade sempre e desde sempre presente, poucas são as obras de imagem em movimento – ora de cinema, narrativo ou não, ora de videoarte – que a descobrem. No campo do cinema experimental, conseguiria, num exercício rápido, pensar no exemplo de James Benning como alguém que a compreendeu na sua completude. Se nos debruçarmos especificamente sobre o videoarte, terá possivelmente sido Michael Snow a reflectir com maior densidade sobre o conceito, com obras como Wavelenght, ainda que sempre em associação ao problema, esse central, do tempo e duração no filme.
O problema passa essencialmente por compreender as capacidades da distância no filme e através do filme. Se nalguns trabalhos pode emergir como forma de exacerbação dos fenómenos contemplativos que suscita ela mesma, noutros poderá significar um distanciamento na busca de mais aprofundada compreensão.
É neste segundo ponto que podemos considerar a obra de Tatiana Macedo, cujo mais recente trabalho foi galardoado com o prémio Sonae Media Art e que se encontra exibido numa exposição com o nome da artista no MNAC – Museu do Chiado. Se a antropologia sempre se debruçou sobre aquela mesma lógica do distanciamento como forma de acentuar a separação entre pesquisador e pesquisado, observador e observado, é essa mesma antropologia que, quando situada num plano da contemporaneidade – dos seus próprios estudos, inclusive –, elimina ou suplanta essa exacta distância. E fá-lo pelo preciso motivo de existir hoje uma compreensão lata de que esse distanciamento não corresponde à realidade, se considerarmos essa mesma realidade como sendo representada pelo mundo globalizado e em crescente e permanente internacionalização em que vivemos. Os povos aproximam-se, bem como as pessoas e respectivas culturas. A lógica do distanciamento deixa, bem assim, de ser dotada de sentido – e até da bondade será ela esvaziada, já que se revela indicativa de uma superioridade, ainda que na perspectiva, entre europeu e o resto do mundo. É substituída pela aproximação, aproximação dos povos, da espacialidade e da temporalidade, do europeu e do não europeu.
O encurtamento da distância não deixa, contudo, de ser distância em si mesma ou, procurando a exactidão, a negação de um conceito insere-se necessariamente nele próprio, é-lhe intrínseca e faz, via de regra, parte da sua exclusiva existência e enforme enquanto processo evolutivo tão natural ao campo das ideias. A negação da distância é, por este motivo, distância em si mesma, enquanto conceptualmente considerada.
1989, a obra exposta em tríptico da autoria de Tatiana Macedo, conhece o seu início com um confronto entre James Baldwin e William F. Buckley, nas imagens de arquivo de um debate em que se discute se será o ‘american dream’ erguido com base no prejuízo e opressão do homem negro. Daqui partimos para importantes planos picados, perspectivas de cima em agigantada verticalidade sob a cidade de Pequim. Nesta visão, que é a de Deus, mas também a do ocidental face ao oriental, redescobrimos pois as potencialidades da distância, que deixa de ser contemplativa, que não é tão pouco descritiva ou sequer explicativa. A distância assume pela primeira vez o seu papel de crítica. Crítica na contemplação, na descrição que pratica, na explicação que dá de outro universo, claro está. A carga de análise sobre si própria que carrega, porém, tal distanciamento, não nos permite contudo vê-lo como caracterizado por nenhuma daquelas narrativas até aqui à distância associadas. Será essencialmente o seu papel crítico, ainda que não desinserido, aquele que releva no trabalho tríptico apresentado e que, bem assim, mais fascina. É um trabalho de descoberta da distância, em potencialidades até aqui não exploradas em filme, com uma instalação prodigiosa e uma sonoridade trabalhada por forma a acentuar aquilo que se quer mostrar: uma tentativa de quebra de barreiras e binómios caracterizadores do discurso ocidental – não só o antropológico, como o artístico também – alcançada fundamentalmente a partir da crítica representada no e através do olhar divino desse plano que é distância e a sua exacta negação.