Rule of Thirds

Rule of Thirds – Culturgest, Fundação Caixa Geral de Depósitos – Coreografia: São Castro e António Cabrita – de 1 a 2 de Abril de 2016

por Inês Fonseca

ruleofthirds@2x

No início era o instante.

Três figuras voltadas de costas para o público. Assim começa Rule of Thirds, a mais recente criação de António Cabrita e São Castro, que estreou no passado dia 1 de Abril na Culturgest.

O trabalho fotográfico do mestre Henri Cartier-Bresson é o ponto de partida para uma coreografia, tal como nas obras de Bresson, que quer captar o “instante decisivo”. Esta noção, considerada pelos críticos fotográficos simbolizava a “unidade da obra”, a “habilidade de estar no sítio certo”, resumindo a “genialidade da composição”.

A proposta coreográfica que São Castro e António Cabrita nos apresentam é uma exploração limpa da técnica contemporânea numa execução trabalhosa, mas sempre com um aspecto de leveza implícito.

A luz e a sombra são essenciais nesta apresentação. A luz é movida pelos próprios bailarinos de acordo com as suas deslocações em cena. Criam locais sagrados de composição que alternam com as suas sombras projetadas em diferentes espaços do palco. O observador é estimulado não para um centro, mas para várias linhas escultóricas que se vão desenhando no espaço.

Bresson movimentava-se à procura de “um ritmo da superfície”, das “linhas”, e dos “valores”, não esquecendo a “liberdade” e a “intuição”. Se a fotografia capta um momento eterno, esta coreografia quer desvendar esse preciso momento. O que está para além dele.

Uma fotografia. O que observamos? O que representa para cada um em particular? Um gesto. O que sentimos? É esta abertura de hipóteses que uma coreografia propõe ao público. O gesto delicado, ou o salto exagerado de um dos bailarinos evoca em cada um algo diferente, tal como o trabalho fotográfico do artista em causa.

Ao contrário da fotografia, a dança cria a partir uma imagem, um leque variado de movimentos que se podem repercutir no tempo e no espaço. Não é fixa. É móvel e balança entre a dinâmica temporal e espacial, podendo ser respirada. A peça vive momentos de equilíbrio. Repetições, idas ao chão, saltos, congelamentos que nos fazem lembrar o spot motion do cinema, oferecendo-nos um instante para captar uma memória fotográfica.

O que distingue o trabalho de São Castro e António Cabrita é a sua componente humana. Cada gesto executado em palco, para além da excelente qualidade técnica, nunca é apenas isso. É o sentimento empregue em cada uma das suas deslocações. Desde o olhar, ao toque com a superfície que lhe acolhe o corpo, sem esquecer a partilha do movimento com os restantes bailarinos em palco.

Uma hora depois, o palco escurece e não podíamos exigir mais às quatro almas que dançando, também nos fizeram dançar. Entre o instante e esse limite. O eterno e o efémero. A dançar captamos a mais bela fotografia.