Um olhar sobre a exposição de Manuel Aires Mateus: “Cadernos de Alhambra” – Galeria João Esteves de Oliveira – 17 Setembro a 6 Novembro de 2015
por Rui Miguel Dias Carvalho
À primeira vista, formalmente, estamos perante um conjunto de desenhos feitos a negro, com linhas frequentemente quase retas e pequenos apontamentos que não conseguimos apreender na sua totalidade, a par de alguns espaços brancos entre eles. Num segundo passo, encontramos alguns signos, como relógios, arcos e aquilo que parecem ser formas de paralelepípedos e simetrias que parecem aludir a arquitetura. Assim, quando olhamos para o título da exposição “Cadernos de Alhambra” entendemos que estávamos corretos na intuição: existe uma alusão arquitetónica explícita em vários dos desenhos, os quais, por vezes, são mais simples mas, outras tantas vezes, complexificam-se criando a ilusão de uma representação algures entre essa complexidade das formas, tal qual rendilhado detalhado, e um espaço entre desenhos que é ocupado pelo branco da folha, como se o artista nos quisesse transmitir o que sentiria ao viajar entre um edifício e outro, em termos de espaço a percorrer entre construções.
Alhambra, é uma fortaleza em Granada, Espanha, pelo que, estando nós em Portrugal, não se estranha a necessidade de viagem e movimento, o qual se embrenha, como sugestão, entre os desenhos expostos, pois, entre as inúmeras sugestões de edifícios, podemos encontrar, num dos desenhos, uma porta encimada por um arco Árabe, dentro da qual se encontra outra mais pequena, mas em tudo o resto claramente igual. Este desfazamento de dimensões sugere uma passagem, um convite a passar nessas portas e a sentir algo semelhante à entrada num outro mundo em que o observador é ainda convidado a sentir um novo espaço, que nos é estranho, através de padrões construídos com linhas simples, em combinação com pontos, e outras formas pequenas, minuciosas. Só que, nos dias de hoje, estes padrões já não nos são familiares, e é essa estranheza que faz o observador concentrar-se no que vê, tentanto perceber, descodificar, o que se encontra diante de si: talvez jardins, talvez uma aldeia, quem sabe?
Compreendemos, sem reservas, que o artista apresenta um trabalho com uma elevada coerência, ao nível da constância de modos figurativos, na qual signos como relógios, arcos arquitectónicos e linhas retas, mas também outras tendencialmente retas, a sugerir dinamismo, nos sugerem viagens. Talvez seja essa a grande motivação estética do artista: o convite a uma viagem, também no reino dos sentimentos e dos sentidos, em palavras breves, a visceral partilha do que ele sentiu quando conheçeu Alhambra. Essa constatação foi de tal modo profunda, exótica, que não podemos estranhar a sugestão de cor num trabalho em que formalmente apenas podemos encontrar o negro e o branco, por exemplo, quando descobrimos linhas sobre os arcos Àrabes os quais podem sugerir os raios do sol, o seu calor e por fim a cor. Sim, o desenhar, para Manuel Aires Mateus, parece ser algo estático, quando a ele devotamos um primeiro olhar mas, depois, aquando de uma segunda aproximação, somos levados a conceber algum dinamismo.
A evasão, aqui no sentido de Nietzsche, no tempo e no espaço, como motivação extra deste trabalho, afigura-se como algo útil num contexto social ameaçado por uma crise global, em que a mudança de localização do observador lhe pode permitir, do meu ponto de vista, o benefício da novidade libertária. Todavia, não nos iludamos, estamos perante uma obra que surpreende pelas vastidões que os detalhes do desenho nos conseguem apresentar e as quais só podem ser apreendidas com algo além da postura de Alberto Caeiro que defendia o “saber ver sem estar a pensar”.
Em resumo, vale a pena ver o trabalho de Manuel Aires Mateus porque se enquadra num tempo –hoje – em que, por um lado, a viagem no espaço já é, só por si, algo que quebra amarras mentais, e por outro, nos “leva pela mão” até um momento fabricado com pedaços do tempo passado enclausurados nas pedras locais e libertados pelo imaginário do artista viajante que os deturpa, involuntáriamente, ao tocar-lhes com a sua forma de sentir, produto de outra época. Mas, esse tempo aludido em relógios disformes, deixa-nos ansiosos pois os desenhos nos deixam com a certeza de querer ver mais. Queremos mais, em obras de maior dimensão, para vermos ainda mais detalhes de um passado que, tal como disse L.P. Hartley, em 1953, é um país distante, em que as coisas se faziam de forma diferente. E não obstante esta tensão curiosa do observador, convencemo-nos que queremos ser o artesão livre, que esculpe a pedra com outra pedra entre as mãos: aquele que regressou ao essencial, tal como nos revelam os desenhos de Aires Mateus e ser a vontade do seu artífice. Após vermos estas obras, sentimos a nostalgia que nos foi ensinada por Mario de Sá-Carneiro: ainda que nos tenha faltado um golpe de asa, não ficaremos aquém, ou seja, neste caso, não seremos mais quem fomos antes de conhecer esta aventura artística, ainda que ela nunca seja totalmente nossa!