Modernidades: Fotografia Brasileira (1940-1964) – Fundação Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias – Edifício Sede – Piso -1, Lisboa – 21 Fevereiro– 19 Abril 2015
por Lara Neto
Modernidades: Fotografia Brasileira (1940-1964), é uma exposição temporária, resultado da parceria entre o Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, o Staatliche Museen zu Berlin, e o Programa Gulbenkian Próximo Futuro, de Arte Contemporânea. José Medeiros, Marcel Gautherot, Thomaz Farkas e Hans Gunter Flieg são os quatro fotógrafos que invadem o espaço com as suas imagens de um claro-escuro intenso e linhas absolutamente definidas e cortantes. Três são estrangeiros, que nascem na Europa e partem rumo ao Brasil com tenra idade. Marcel, o mais longevo dos seus camaradas, nasce em 1910 em Paris e falece em 1996 no Rio de Janeiro. Thomaz, o húngaro de Budapeste, nasce em 1924 e acaba por desaparecer já no século XIX, no ano de 2011, em São Paulo. Hans é o único dos três que ainda se encontra em plena vivência, tendo nascido em 1923, na cidade de Chemnitz, na Alemanha. Por último, o fotografo brasileiro e aquele que parte mais cedo, José Medeiros, nasce em 1921 no município de Teresina, e morre em 1990. São artistas cujas imagens apresentam-se puramente ligadas aos genes da fotografia analógica, que se encontram no entanto totalmente desprovidas de grão ou deficiências técnicas. As imagens expostas mostram uma visão crua e ríspida de um Brasil em fase de industrialização e mudança, passando pela Fundação do Estado Novo, seguido pelo inicio da Segunda Guerra Mundial, até a uma sucessão de golpes de Estado, acabando no golpe militar de 1964. O espaço envolvente faz lembrar um quase labirinto, que se desfaz após o olhar se direcionar para o tecto baixo, de betão escuro e acinzentado, fazendo maquinalmente com que a área se torne gélida e pesada. Todo o espaço é branco, desde as paredes que rodeiam as obras, às densas divisórias colocadas no meio da sala paralelepipédica. É um espaço inteiramente desguarnecido de cores quentes, exceptuando a cor castanha amena das molduras, todas elas quadradas, tendo como escopo não só indicar a obra, mas direcionando o olhar para a mesma, sem que a moldura distraia uma observação mais aproximada. Este aspecto é reforçado pelos vidros Anti-Reflexo e ainda uma segunda moldura interior de cor branca, cortada de forma precisa, de acordo com o formato das imagens, fazendo com que todas estejam devidamente protegidas. Toda a sala está, portanto, nitidamente preparada para uma leitura mais facilitada das obras. As cores neutras, em conjunto com os pequenos holofotes colocados no tecto – um para cada fotografia – manipulam a visão, obrigando a que o olhar apenas se dirija às imagens impressas em gelatina de prata, graças à representação das sombras e das formas marcadamente negras que se contrastam com o ambiente proporcionado em redor. Para além do propósito da ausência de cor, o texto de apresentação e a ficha técnica que se encontra no início da exposição, são elementos valorosos que praticamente passam despercebidos a quem ali entra, não só por não estar de forma clara ao alcance do olhar, mas igualmente por se encontrar na direção de uma luz mais fraca. O tipo e a robustez da letra escolhida são ainda outros pontos fracos, sendo que os caracteres têm um espaçamento demasiado acentuado, o que dificulta a leitura, tornando-a mais lenta e fazendo com que haja um cansaço visual que se devia evitar, devido às fotografias que se vêm de seguida.
Ao todo são cento e dez imagens, sem contar com os quatro retratos dos autores, cada um colocado de forma cuidada no começo das suas representações naturalistas ou citadinas. As fotografias estão, portanto, divididas por autor e igualmente separadas por temas. Os autores encontram-se ainda distribuídos ao longo da exposição, estranhamente, pelo seu óbito e não nascimento, juntamente com os diferentes estilos fotográficos: José Medeiros, o fotojornalista da classe superior e da classe operária; Marcel Gautherot, claramente interessado na beleza da floresta amazónica, nos populares e nas suas festas e no quotidiano dos mais desfavorecidos; Thomaz Farkas, um apaixonado pelas formas, não só de prédios, como também de pessoas; e Hans Gunter Flieg, o fotografo da precisão técnica, com imagens industriais, teatrais e misteriosas.
O circuito tem então início em José Medeiros, figurado pelo seu retrato, sentado a beber um chá. Estão representadas trinta e duas fotografias deste autor, separadas por quatro paredes, sendo que primeiro são visíveis dez, do outro lado da taipa estão seis, de frente encontram-se mais dez, e na retaguarda apresentam-se ainda seis, criando portanto um segmento duplo de imagens de dez por seis. Thomaz Farkas é o próximo nome da lista, retratado com a sua máquina fotográfica na mão. É visível um desfasamento de imagens comparativamente ao autor anterior, sendo que agora são apenas representadas setenta e duas, mais uma vez fragmentadas em dez por seis, mas com a particularidade de na parede de fronte das seis imagens, estarem nove. Não se entende o porquê deste corte face à estrutura inicial, e os mais atentos questionam-se sobre o motivo, sendo que não existe qualquer folha de sala que possa eventualmente ter a resposta que se requer, e o catálogo da exposição não tem qualquer informação relativamente à quantidade desajustada ou ao posicionamento das fotografias expostas. Observa-se a fotografia de Marcel Gautherot, mais uma vez mira-se um retrato em que o autor está com a sua máquina de ofício, como se estivesse a fotografar o observador do lado de fora, tendo as suas imagens como fundo. Assim como em José Medeiros, as fotografias encontram-se divididas por quatro secções, ocupando duas metades de parede e uma em absoluto. Começam por seis, e de frente residem doze, em seguida observam-se mais seis e na fachada da frente estão oito, fazendo um todo de cinquenta, mais uma vez completamente desfasadas das secções anteriores. Por fim, a obra de Hans Gunter Flieg, é repartida em duas ramificações, sendo que de um lado encontram-se nove fotografias e de frente estão doze que se subdividem em nove e três, fazendo um todo de vinte e uma fotografias. Por conseguinte, entende-se a intenção dos curadores, Samuel Tintan Jr, Ludger Derenthal e António Pinto Ribeiro, de posicionar as fotografias consoante a quantidade relativa a cada autor, mas não se compreende a configuração separada que as imagens mostram, o porquê de ora estarem seis, ora estarem doze, acabando por não haver um fio condutor entre todas, considerando que há que ter em atenção o facto de ser uma exposição colectiva e não individual.
Segundo textos, as fotografias apresentadas na exibição, na sua maioria, são de uma grande variedade estilística e de um registo documental valioso sobre um país vasto e contraditório. Destaca-se a imagem “Gavéa, Rio de Janeiro” de 1952, do autor José Medeiros, uma fotografia que representa um dos bairros nobres da classe alta da capital, que mostra a praia de Copacabana com o morro dos dois irmãos como fundo. Entre eles, estão dois carros, estacionados junto à berma, com um homem que surge proximamente unido ao parapeito, tornando-a uma imagem desprovida de qualquer elemento mais simples e modesto. Thomaz Farkas por sua vez, apresenta uma imagem em particular que nada tem a ver com “Gavéa, Rio de Janeiro”, excetuando o registo monocromático. “São Paulo” de 1950-1960 faz parte de um conjunto de imagens de sombras e perspectivas num tom mais artístico, que fazem lembrar as assombrosas fotografias do mestre Henri Cartier-Bresson. Numa vista de cima, um homem paira ao lado da sua bicicleta junto à linha de caminhos-de-ferro, dando a ideia que vai de regresso de casa. Em Marcel Gautherot, destaca-se uma imagem da “Pesca do Xáreu” de 1940, um ritual que se prolonga até aos dias de hoje em Salvador da Bahia. Avistam-se junto à praia vinte e sete jovens no momento em que puxam a corda da rede para fora do mar, uma imagem que mostra nitidamente a vida sôfrega dos mais desvalidos. Hans Gunter Lieg por sua vez é o único que destaca a realidade dentro das fábricas industriais, com a fotografia de um inigualável paralelismo, de uma fábrica em São Paulo com a data de 1960, mostrando um registo visivelmente mais cuidado.
Todas as imagens da exposição são de extremo interesse histórico mas não se encontram diretamente ligadas, quer seja em estilo ou em tema e por vezes algumas até podem ser excluídas que não se nota diferença relativamente a uma leitura visual. No entanto, como um todo, formam o conjunto de fotografias que melhor retratam o Brasil vanguardista dos anos quarenta, cinquenta e sessenta. Destacam-se várias imagens de carácter documental forte, mas outras fracas em termos de fotojornalismo, visto que se a intenção é documentar um país pleno de deficiências, não faz qualquer sentido cortar essa linha de trabalho com imagens de carácter visual imperceptíveis. A falta de um suporte baixo para que o público possa utilizar para apreciar e entender as fotografias de outra perspetiva, é outro elemento imprescindível face ao padrão da exposição, sendo que a forma como a sala está projetada merecia outra atenção. Não interessa só olhar sem perceber, interessa sim intencionar uma relação mais intima do público com a imagem. Modernidades: Fotografia Brasileira (1940-1964), pretende assim ser uma exposição preenchida de fotografias que questionam o ciclo da modernização das principais cidades e zonas do país da época de Getúlio Vargas, com finalidade de alcançar um público geral com especial interesse pela vida de um Brasil vibrante, mundano e cosmopolita.