CONVOCARTE 2023-2024: NOVA CALENDARIZAÇÃO | New Shcheduling | Nouveau Calendrier
Nº 12/13 : ARTE E PAIDEIA | ART AND PAIDEIA |ART ET PAIDEIA: Lançamento no site da Revista previsto para Setembro 2023: Apresentação das versões digital e impressa prevista para Abril de 2024 | Presentation of the digital and printed versions due in April 2024 | Sortie sur le site du Magazine prévu pour septembre 2023 : Présentation des versions numériques et imprimées prévue pour Avril 2024.
N.º 14/15: ARTE E MOBILIDADE: Eppur si muove! | ART AND MOBILITY: Epur si muove! | ART ET MOBILITÉ: Epur si muove!: Apresentação e lançamento da versão digital prevista para 29 de Abril de 2024 | Presentation of the digital due in 29 April 2024 | Présentation et sortie de la version numérique prévus pour le 29 Avril 2024.
Nº 16/17: ARTE E ECOLOGIA | ART AND ECOLOGY | ART ET ÉCOLOGIE: Chamada de trabalhos prevista para Abril-Setembro 2024 | Call for Papers due in Abril-September 2024 | Appel à contributions prévu pour Avril-septembre 2024.
N.º 16/17: ARTE E ECOLOGIA| ART AND ECOLOGY |ART ET ÉCOLOGIE [PT; EN; FR]
Luciano Freire (1864-1935), Perfume dos Campos / Parfum des Champs / Perfume of the Fields, 1899, Lisboa: Museu do Chiado
CONVOCARTE 16/17: ARTE E ECOLOGIA / ART AND ECOLOGY / ART ET ÉCOLOGIE [PT; EN; FR] | |||
PT | FR | EN | |
Chamada | Appel | Call | |
April, 30 | Primeira proposta de trabalho (título, tema, CV) a enviar a (1) | Première proposition de travail (titre, thème, cv) à envoyer à (1) | Initial Proposal (title, subject, cv) to send to (1) |
SEPTEMBER, 30 | Envio do texto final a (1) | Envoi du texte final à (1) | Final draft sent to (1) |
OCTOBER | PEER-REVIEW | ||
OCT-NOV | Revisão do texto pelo autor segundo as sugestões dos revisores | Révision du texte par l’auteur selon les suggestions des relecteurs | Text with changes introduced by authors according to suggestions from peer reviews. |
NOVEMBER | Design gráfico | Maquettage | Editing |
DECEMBER | última revisão do texto paginado pelo autor | dernière relecture du texte mis en page par l’auteur | Final proof-reading of the edited text by the author |
JANV 2025 | lançamento | sortie | launch |
(1) : convocarte@belasartes.ulisboa.pt [temporariamente inactivo/temporarily inactive]; convocarte.belasartes@gmail.com |
We can only conquer nature by first obeying her
(Francis Bacon, Prophecy of Francis Bacon)
Arte e Ecologia: O Lugar da Arte na Reconfiguração Ecológica
Para onde quer que olhemos, para onde quer que se dirija a nossa atenção, as notícias proclamam o mesmo alarme generalizado: o de um planeta a precipitar-se em direção a um muro impenetrável devido à busca imprudente do progresso. É um complemento à imagem da alegoria do anjo da história de Walter Benjamin que, arrastado pela tempestade do progresso, não consegue acudir aos desastres da história enquanto, acrescentamos nós, se prepara para se estatelar contra um muro que não vê, porque se encontra nas suas costas: o horizonte do futuro. Todo o mundo, dos Estados aos cidadãos, parece ter percebido o colapso iminente e luta para encontrar soluções no meio de um emaranhado de limitações e desejos inconciliáveis…
A arte não é surda nem cega a este problema. Talvez a sua natureza sintomática a torne o melhor lugar para expressar as tensões que atravessam o nosso mundo contemporâneo. Este espaço multimodal é o que nos propomos explorar aqui, tentando responder à questão: Qual o lugar da arte na reconfiguração ecológica? Uma questão que ressoa de múltiplas maneiras…
A questão pode ser entendida como o que se espera da arte na sensibilização ecológica, ou seja, qual o seu papel? Poderíamos aqui convocar, sob a ampla bandeira da “arte ecológica”, uma série de obras de arte e artistas, das artes plásticas à literatura e à música, que abraçaram questões ecológicas para produzir um discurso engajado. Essa arte ecológica, já vibrante nas artes plásticas, é proteiforme: desde a análise de uma situação à proposição de alternativas, passando por inventar soluções científicas experimentais, a denuncia de abusos, a critica ou a pedagogia, fomentar abordagens reparadoras ou gerar imaginários (in)desejáveis, etc. Há uma nova tendência que se destaca desde que o Antropoceno foi oficialmente baptizado, e que revisa de outro modo as primeiras abordagens de uma arte que emergiu desde a década de 1960? Há uma declarado desenvolvimento noutras formas de arte além das artes plásticas?
A questão também pode ser entendida como: em que lugar se espera que a arte se faça entender para influenciar na tomada de consciência ecológica ou, por outras palavras, marcar a sua posição? A arte deveria continuar a ser exposta nos seus locais tradicionais (galerias, museus, teatros, óperas, palcos, livros), ou deveria ser urgentemente ouvida in situ: nos locais dos desastres (na Amazónia, nos icebergues flutuantes), nas manifestações de protesto, nos locais de poder (político, económico) ou num espaço público mais alargado (para atingir um vasto público)? É o poder político da arte que entra aqui em jogo e pode transformar-se em ativismo político, encontrando na arte uma caixa de ressonâncias para a sua militância: e os espaços da arte podem tornar-se locais de recepção para o ativismo paradoxal e iconoclasta! (por exemplo, Just Stop Oil). A arte na linha de frente deve, portanto, definir a sua própria orientação: actuará então ela como protectora, como vigia, como condutora, como oráculo, como anfitriã ou como refém? Onde deve ser exibida e sob que luz para poder ter um impacto eficaz?
A questão pode ainda ser entendida como o trabalho que a arte deve realizar sobre si mesma para integrar as restrições ecológicas, ou seja, o seu fardo? Falando ecologicamente, nenhuma obra de arte é neutra, ela também gera emissões de gases com efeito de estufa e, para alguns, uma considerável pegada de carbono. A tendência de hiper-espetacularização das obras de arte (produções em grande escala, digressões mundiais, gestos arquitetónicos excessivamente tecnicizados) que definiu a arte durante séculos já não está apropriada, varrida pelos imperativos do eco-design, da produção local e da desaceleração – e os criadores devem integrar as novas restrições, voluntariamente ou não. Para além dos artistas e das suas obras, é todo o mundo da arte que deve medir e reduzir a sua pegada de carbono – os poderes públicos vigiam-nos. Entre as diversas soluções que se vão experimentando, quais são as mais eficazes? Desde a digressão de músicos em bicicleta à partilha de cenários ou figurinos, passando por videoconferências para audições ou a promoção de transportes sustentáveis para festivais: invenções inspiradoras abundam e devem ser disseminada.
Por fim, questão pode ser entendida como a própria existência da arte e do que a rodeia num mundo onde todas as energias deveriam estar centradas num único objectivo, ou seja, a sua legitimidade? Porquê continuar a gastar tempo, energia e recursos criando formas e imaginários – quando as próprias condições de vida estão ameaçadas? Não serão fúteis e secundários os apelos à preservação da beleza do mundo em comparação com a urgência em preservar as condições de existência da vida? Justifica-se a oposição à instalação de turbinas eólicas para preservar a beleza da paisagem? A massificação de certos ramos da arte (exposições e feiras globalizadas, artes de massa, séries televisivas em plataformas, transmissão ao vivo de óperas em cinemas, videojogos AAA) não é o absurdo de uma indústria que continua a visar a sua expansão enquanto negligencia a sua sobrevivência? Não nos deveríamos livrar dela enquanto fonte do problema? O que pode então significar para uma instituição quando fala de “projetos culturais ambiciosos”? Será a própria ideia de arte compatível com uma necessária revolução ecológica? Deveríamos condená-lo em nome do Antropoceno ou salvá-lo em nome do Simbioceno?
Portanto, quando todos se comprometem com a transição ecológica (sobretudo em matéria de energia e gestão de recursos), a arte pode ser um meio para refletir sobre a reconfiguração ecológica do mundo: que nova forma assumirá, através de que narrativas deverá procurar reconectar-se com um projecto viável e que nova hibridização deveria o casal Natureza/Cultura inventar para ter esperança de salvação? Não deveria a Terra, como ecossistema, esculpir uma nova face, ideal, para imaginar conseguir redimir-se? Não apenas um paradigma (científico), um projeto (social) ou um modelo sustentável (ecotécnico), mas uma figura – desejável, inédita, plástica?
Neste número duplo da revista Convocarte pretendemos reunir artigos que tentem reflectir sobre esse lugar que a arte mais contemporânea assume, poderia ou deveria assumir, na questão ecológica:
- Análise estética de conjuntos de obras ou artistas que se envolvem diretamente com a questão
- Modalidades de atuação dos artistas nesta matéria (Ecopoetic, Arte Ambiental, Crop art, Sustainable art, Conservation photography, Ecolinguistics, Ecosemiotics, etc.)
- A colocação em rede dos artistas com os campos políticos, científicos, académicos ou ativistas
- Experiências partilhadas por instituições ou artistas que implementaram soluções ecológicas
- Reflexão teórica sobre a sustentabilidade da arte e das obras de arte, os seus modos de difusão e o mundo da arte como sistema
- Reflexão teórica e histórica do impacto das obras artísticas nas lutas ecológicas.
- E, porque não, tentar encontrar exemplos em produções ou acções artística do passado, sejam eles negativos ou positivos, com os quais possamos problematizar as relações entre a arte e a ecologia.
Art et écologie : La place de l’art dans la reconfiguration écologique
Où que se pose le regard, où que porte notre écoute, les nouvelles clament la même alerte généralisée : celle d’une planète que la course effrénée au progrès envoie droit contre un mur imparable. Une sorte de prolongement à l’allégorie de l’ange de l’histoire de Walter Benjamin qui, emporté par la tempête du progrès, était incapable de répondre aux désastres de l’histoire – tandis qu’à présent il s’apprête à s’écraser contre un obstacle qu’il ne voit pas puisqu’il ne le regarde pas : l’horizon du futur. Le monde entier, des états aux citoyens, semble avoir pris la mesure de l’effondrement et cherche à trouver des solutions en se débattant dans un maquis de contraintes et de désirs inconciliables…
L’art n’est ni sourd ni aveugle au problème. Son caractère symptomatique en fait peut-être le lieu où s’expriment le mieux les tensions qui traversent notre contemporanéité. Un lieu multimodal que l’on se propose ici d’arpenter en tentant de répondre à la question : quelle est la place de l’art dans la reconfiguration écologique ? Une question qui résonne de multiples façons…
La question peut s’entendre comme ce que l’on attendrait de l’art dans la prise de conscience écologique, autrement dit son rôle ? On pourrait ici ramasser sous une bannière large « d’art écologique », allant des arts plastiques à la littérature et la musique, un ensemble d’œuvres et d’artistes qui se sont emparés de la question écologique pour produire un discours engagé. Un tel art écologique, déjà vivace dans les arts plastiques, est déjà protéiforme : allant de l’analyse d’une situation, à la proposition d’alternatives, en passant par l’invention de solutions scientifiques expérimentales, la dénonciation d’exactions, la critique ou la pédagogie, l’approche réparatrice ou la production d’imaginaires (in)désirables, etc. Y-a-t-il une tendance nouvelle qui se dégage depuis que l’Anthropocène a officiellement été baptisé, et qui rejoue autrement les premières approches d’un art apparu dès les années 1960 ? Y-a-t-il une émergence avérée dans les arts autres que plastiques ?
La question peut s’entendre comme là où l’on attendrait que l’art se fasse entendre pour peser sur la prise de conscience écologique, autrement dit son poste ? Peut-il continuer de s’exposer dans ses lieux traditionnels (galeries, musées, théâtres, opéras, scènes, livres), ou doit-il de toute urgence se faire entendre in situ : sur les lieux du désastre (en Amazonie, sur la banquise), dans les manifestations de protestation, dans les lieux de pouvoir (politique, économique), dans l’espace public le plus large (pour toucher une vaste audience) ? C’est la puissance politique de l’art qui entre ici en jeu et qui peut se retourner en un activisme politique qui trouve dans l’art la chambre d’échos de son militantisme : et les lieux de l’art peuvent devenir les lieux d’accueil d’un activisme paradoxal et iconoclaste ! (ex : Just Stop Oil). L’art aux avant-postes est donc un art qui devra aussi définir sa propre orientation : officiera-t-il comme gardien, comme vigie, comme fer de lance, comme oracle, comme hôte ou comme otage ? Où se montrer et sous quel jour, pour peser efficacement ?
La question peut encore s’entendre comme le travail que l’art doit mener sur lui-même pour intégrer les contraintes écologiques, autrement dit son poids ? Toute œuvre n’est pas neutre écologiquement parlant, elle a aussi son coût en gaz à effets de serre et pour certaines un Bilan Carbone non-négligeable. La tendance à l’hyper-spectacularisation des œuvres (grosse production, tournées mondiales, gestes architecturaux sur-technicisés) qui a défini l’art pendant des siècles n’est plus de mise, balayée devant les impératifs de l’éco-conception, de la production locale, du ralentissement – et les créateurs doivent intégrer de nouvelles contraintes, bon gré ou mal gré. Au-delà des artistes et des œuvres, c’est tout le monde de l’art qui doit mesurer et diminuer son empreinte carbone – les pouvoirs publics y veillent. Parmi toutes les solutions qui s’expérimentent ici ou là lesquelles sont les plus efficaces ? De la tournée des musiciens en vélo à la mutualisation de décors ou de costumes, en passant par la visio-conférence pour les auditions ou les incitations aux mobilités douces pour les festivals : les inventions inspirantes abondent et doivent se disséminer.
La question peut enfin s’entendre comme l’existence même de l’art et de ses à-côtés dans un monde où toutes les énergies devraient être focalisées sur un seul objectif, autrement dit sa légitimité ? Pourquoi continuer de dépenser temps, énergie, ressources à créer des formes et des imaginaires – quand les conditions même d’existence de la vie sont menacées ? Les plaidoyers pour la sauvegarde de la Beauté du monde, ne sont-ils pas ineptes et ne devraient-ils pas être secondaires face à l’urgence de sauver les conditions d’existence de la vie ? A-t-on le droit de s’opposer à l’implantation d’un champ d’éoliennes pour préserver la beauté du paysage ? La massification de certaines branches de l’art (expositions et foires mondialisées, arts de masse, séries télévisées sur des plateformes, diffusion d’opéras en direct dans les salles de cinéma, jeux vidéo AAA) n’est-elle pas une forme d’absurdité d’une industrie qui continue de viser son extension omettant sa survie ? Et en tant que source de problème, ne faudrait-il pas s’en débarrasser ? Que pourrait signifier alors, pour une institution, de parler de « projet culturel ambitieux » ? L’idée même de l’art est-elle compatible avec celle de la révolution écologique nécessaire ? Faut-il la condamner au nom de l’Anthropocène ou la sauver au titre du Symbiocène ?
Pourtant, quand tous s’évertuent à la transition écologique (surtout en matière d’énergie et de gestion des ressources), l’art est peut-être un moyen pour réfléchir à la reconfiguration écologique du monde : quelle nouvelle forme prendra-t-il, à travers quels récits doit-il chercher à renouer avec un projet viable, quelle hybridation nouvelle le couple Nature/Culture doit-il inventer pour espérer le salut ? La Terre comme écosystème ne doit-elle pas se sculpter un nouveau visage, idéal, pour imaginer réussir à se rédimer ? Pas seulement un paradigme (scientifique), un projet (sociétal) ou un modèle durable (éco-technique), mais une figure – désirable, inédite, plastique ?
Dans ce double numéro de la revue Convocarte, nous aimerions réunir des articles tentant de réfléchir à cette place que prend ou pourrait ou devrait prendre l’art le plus contemporain dans la question écologique :
- Analyse esthétique de corpus d’œuvres ou d’artistes qui travaillent frontalement la question
- Modalités d’actions des artistes sur cette question (Art écologique, Eco-art, Eco-poétique, Art environnemental, Crop art, Art durable, Photographie, Écolinguistiques, Écosémiotique, etc.)
- La mise en réseau d’artistes avec les champs politiques, scientifiques, universitaires ou militants
- Retours d’expériences d’institutions ou d’artistes ayant mis en place des solutions écologiques
- Réflexion théorique sur la durabilité même de l’art et des œuvres, leurs modes de diffusion, et le monde de l’art comme système
- Réflexion théorique et historique sur l’impact d’œuvres artistiques dans les luttes écologiques.
- Mise en tension de productions ou d’actions artistiques passées, écologiquement négatives ou positives, avec les enjeux écologiques actuels
Art and Ecology: The Place of Art in Ecological Reconfiguration
Wherever one looks, wherever our attention is directed, the news proclaims the same widespread alarm: that of a planet hurtling towards an impenetrable wall due to the reckless pursuit of progress. It might be a complement to the image of Walter Benjamin’s allegory of the angel of history who, swept away by the storm of progress, was unable to respond to the disasters of history while, now, he is (un)preparing to crash against a wall he cannot see, because behind his back: the horizon of the future. From states to citizens, the entire world seems to have realized the impending collapse and struggles to find solutions amidst a tangle of conflicting constraints and desires…
Art is neither deaf nor blind to this problem. Perhaps, its symptomatic nature makes it the best place to express the tensions that traverse our contemporary world. This multimodal space is what we propose to explore here, attempting to answer the question: What is the place of art in the ecological reconfiguration? A question that resonates in multiple ways…
The question can be understood as what is expected of art in raising ecological awareness, in other words, its role? We could gather under the broad banner of “ecological art” a range of artworks and artists, from visual arts to literature and music, who have embraced ecological issues to produce engaged discourse. Such ecological art, already vibrant in the visual arts, is diverse: from analyzing a situation and proposing alternatives to inventing experimental scientific solutions, denouncing abuses, criticizing or educating, fostering reparative approaches, or generating (un)desirable imaginaries, etc. Is there a new trend emerging since the Anthropocene was officially recognized, reshaping the early approaches of an art that occured in the 1960s? Are there proved developments in art forms other than visual arts?
The question can also be understood as where art is expected to be heard to influence ecological awareness, in other words, its position? Should art continue to be exhibited in its traditional places (galleries, museums, theaters, operas, stages, books), or should it urgently be heard in situ: at the sites of disasters (in the Amazon, on the ice floes), in protest events, in places of power (political, economic), or in the widest public space (to reach a vast audience)? Here, the political power of art comes into play, and it can turn into political activism, finding in art an echo chamber for its advocacy: and the spaces of art can become the reception places for paradoxical and iconoclastic activism! (e.g., Just Stop Oil) Art on the front lines must, therefore, define its own orientation: will it act as a guardian, a lookout, a spearhead, an oracle, a host, or a hostage? Where should it be displayed and under what light to have an effective impact?
The question can also be understood as the work that art must undertake on itself to integrate ecological constraints, in other words, its weight? No artwork is ecologically neutral; it also incurs greenhouse gas emissions and, for some, a considerable carbon footprint. The trend of hyper-spectacularization of artworks (large-scale productions, global tours, over-technicized architectural gestures) that defined art for centuries is no longer appropriate, swept away by the imperatives of eco-design, local production, and deceleration – creators must now integrate new constraints, willingly or not. Beyond artists and their works, the entire art world must measure and reduce its carbon footprint – governments are watching closely. Among the various solutions being experimented with, which ones are the most effective? From musicians touring on bicycles to the sharing of sets or costumes, to video conferencing for auditions, or promoting sustainable transportation for festivals: inspiring inventions abound and need to spread.
Finally, the question can be understood as the very existence of art and its peripherals in a world where all energies should be focused on a single objective, in other words, its legitimacy? Why continue to spend time, energy, and resources creating forms and imaginaries when the very conditions of life are threatened? Aren’t pleas for preserving the Beauty of the world futile and secondary compared to the urgency of preserving the conditions for life’s existence? Is it justified to oppose the installation of wind turbines to preserve the landscape’s beauty? Isn’t the massification of certain branches of art (globalized exhibitions and fairs, mass arts, television series on platforms, live broadcasting of operas in cinemas, AAA video games) an absurdity of an industry that continues to pursue expansion while neglecting its survival? Shouldn’t we get rid of art as a source of the problem? What could “ambitious cultural projects” mean for an institution then? Is the very idea of art compatible with the necessary ecological revolution? Should we condemn it in the name of the Anthropocene or save it in the name of the Symbiocene?
Yet, while everyone is committed to ecological transition (especially regarding energy and resource management), art might be a means to ponder over the ecological reconfiguration of the world: what new form will it take, through which narratives should it seek to reconnect with a viable project, and what new hybridization should the Nature/Culture couple invent to hope for salvation? Shouldn’t Earth, as an ecosystem, sculpt a new, ideal face to imagine successfully redeeming itself? Not just a paradigm (scientific), a project (social), or a sustainable model (eco-technical), but a figure – desirable, unprecedented, and plastic?
In this double issue of the Convocarte journal, we aim to bring together articles that reflect on the place that the most contemporary art assumes or could or should assume in the ecological question:
- Aesthetic analysis of bodies of works or artists who directly engage with the question
- Modalities of actions taken by artists on this matter (Ecopoetic, Environmental art, Crop art, Sustainable art, Conservation photography, Ecolinguistics, Ecosemiotics, etc.)
- Networking of artists with political, scientific, academic, or activist fields
- Experiences shared by institutions or artists who have implemented ecological solutions
- Theoretical reflection on the sustainability of art and artworks, their modes of dissemination, and the art world as a system
- Theoretical and historical examination of the impact of artistic works on ecological struggles.
- And, why not, try to find examples in past artistic productions or actions, whether negative or positive, but with which we can problematize the relationships between art and ecology.
N.º 14/15: ARTE E MOBILIDADE: Eppur si muove! | ART AND MOBILITY: Epur si muove! | ART ET MOBILITÉ: Epur si muove! [PT; EN; FR]
Peter Paul Rubens (1577-1649), Mercury [pormenor], 1636-1638, óleo sobre tela, 180×69 cm, Acervo: Madrid, Museu do Prado.
Arte e Mobilidade: Eppur si muove! [PT]
Eppur si muove ou E pur si muove, normalmente traduzido como «mas movimenta-se» ou «no entanto ela move-se», é uma frase que se atribui a Galileu Galilei. Polemicamente, e segundo a tradição, ela terá sido afirmada logo após Galileu renegar a visão heliocêntrica da Terra perante o tribunal da Inquisição.
Além da retórica da expressão, que faz um tropos ao que se acabara de renegar, invertendo o seu sentido, ela tem esse cunho de nos dizer que a estaticidade é um limiar impossível ao ser humano, porque estamos sempre em movimento. Também, e para além da ironia actual da expressão, na saída de uma situação global de confinamento, que nos obrigou à imobilidade, a expressão surge com uma força cultural de resistência, de recusa da imobilidade nos seus impedimentos e restrições aos corpos e aos objetos, para assim nos lembrar a força de resiliência da fala, da acção ou da coragem.
Se este apelo à mobilidade tem esta tradição de coragem deontológica na história da ciência, servindo de exemplo a manutenção de princípios apesar de violentas pressões externas em sentido contrário, facilmente lhe encontramos toda uma espessura cultural nas artes. A mobilidade pode assumir um primeiro grande plano da deslocação do artista, busca por novas influências e formações que ampliem os horizontes da sua capacidade de produzir Arte.
A aceleração da dinâmica e tensão dos ismos, que marcam a arte ocidental desde a entrada na era industrial, não prescinde da relação com outras possibilidades de deslocação, mais rápida e de constante aceleração. Tal permite pensar que a relação entre os movimentos da história e os da deslocação do espaço geográfico estão relacionados. A mobilidade implica a conjugação do espaço e do tempo, mas também mobiliza rupturas.
Mas, não se trata de fenômeno novo. Muito antes da revolução industrial e das facilidades da aldeia global, conectada no instante da velocidade da luz da Internet, sempre houve viagem na Arte, permitindo a troca e partilha de objectos artísticos, como das suas técnicas e estilos. A história da arte é um vasto mapa de viagens de contatos artísticos, de deslocações de artistas e obras, que transportam consigo uma partilha de influências. Impossível, assim, separar o movimento de artistas e obras que se tem dado ao longo do tempo, pois tudo isso se liga aos próprios movimentos da história da arte.
Mas, se a ênfase à mobilidade não se dá como fenômeno novo, o momento contemporâneo amplia a dimensão e velocidade das mobilidades já presentes nas culturas Paleolíticas, Mesolíticas ou Neolíticas, ou nos nomadismos dos povos primevos das Américas, África e Oceania. Há múltiplas possibilidades de abordar o problema das culturas itinerantes nos dias que correm, cuja lógica artística e cultural assenta na disponibilidade constante ao móbile.
Agente crucial na questão da mobilidade nas artes é o próprio artista. O artista em viagem amplia a sua experiência e conhecimento. O viajar, como prolongamento da sua formação, é decisivo sobretudo a partir da Era Moderna e com o espírito do artista culto do Renascimento. A deslocação pode servir para uma formação e crescimento de si, como pode trazer consigo rupturas, ser exílio, voluntário ou involuntário, político ou artístico, dimensões que têm marcado a história das civilizações.
A deslocação pode dar-se por razões de um projecto artístico, como o caso do ar livrismo, que determinou uma das questões mais relevantes da história da pintura do século XIX, culminando num dos movimentos artísticos mais míticos da arte moderna, o Impressionismo, sobretudo com o ar livrismo total de Monet. Ou, mais recentemente, as derivas dos situacionaistas ou as caminhadas de Richard Long no âmbito da Land Art ou, enquanto acção artística, a famosa deslocação de uma montanha de Francis Alÿs, obra com Cuauhtémoc Medina e Rafael Ortega (When Faith Moves Mountains, 2002), entre muitas outras.
Nesse dossiê temático, propomos uma profunda reflexão sobre a viagem nos estudos artísticos das Artes, desde a noção de artista viajante, com seu diário de viagem, o ar livrismo e as residências artísticas, ou seja, da viagem como fundamento ou processo artístico. Também interessam as relações entre as instituições artísticas e a viagem cultural como mercado, enquanto dimensão turística da arte, lançando a discussão entre a necessidade de visita e a criação artística. Tal como há um turismo do artista, mesmo pondo em jogo os estigmas desta palavra enquanto modo de viagem, há um alargado e intenso turismo da e para a Arte, motivando e mobilizando deslocamentos.
Problematizar a mobilidade chama tanto o seu excesso e poluição (por exemplo, a noção de «dromologia» de Paul Virilio), como a ideia de imobilidade, extremos necessários à discussão do que os deslocamentos assinalam no mundo da arte. Além das ditas artes do tempo, como a literatura, a performance, o cinema ou a música, também as artes plásticas, ditas do espaço, se implicam no movimento, com vários artistas a entrarem na mobilidade dos referentes, como Delacroix, Degas, Rodin, os futuristas ou, por outra via, o próprio cubismo, com a sua ideia da deslocação do artista em torno do referente. O movimento torna-se assim um tema ou problema para a representação. Mas também pode ser um problema construtivo da obra, permitindo estender a questão às obras cinéticas, reais e virtuais, do construtivismo russo à Op Art.
A mobilidade encontra-se como questão cultural abrangente, como deslocação dos seus agentes (desde dimensões da produção, a partir do lugar do artista, como da recepção, e em torno do lugar do observador) e toda a partilha cultural daí advinda, como pode ser uma questão da obra, da sua deslocação física, seu tema ou modo de relação com os seus motivos, como ainda da sua construção interna.
Portanto, fica claro a necessidade de uma resposta a esse interesse investigativo e criativo, tanto da comunidade acadêmica quanto artística, que por diferentes perspectivas consubstanciam arte e deslocação, numa relação profícua. Assim, propomos como desafios à reflexão, algumas temáticas:
– A velocidade, viagem e mobilidades nas artes.
– O artista viajante e em deslocação, das peregrinações, às missões artísticas, ao ar livrismo, ou às recentes residências artísticas.
– As residências artísticas como jogo deslocação e possível fixação temporária, desenhando cenários e impactando a [re]criação artística.
– Deslocações por exílio, migrações e outros caminhos pós-coloniais
– Projectos artísticos assentes na ação e na mobilidade, implicando a deslocação.
– A deslocação de colecções e obras, em exposições ou saqueadas historicamente.
– Obras e coleções em deslocações: o artístico tornado evento.
– Percursos artísticos no mundo do eu, enquanto artística, curador, espectador, etc.
– A mobilidade cultural dos processos artísticos, sobretudo no espírito da arte moderna e contemporânea e sob o signo das vanguardas artísticas.
Mas, dentro do princípio Eppur si muove, a proposta abre-se ao acolhimento de outros possíveis desafios. Pode-se ensaiar sobre o contraponto aos impedimentos de mobilidade, aos processos, impositivos ou não, de imobilidade, como o recente caso global da pandemia do Covid 19. Porque: Eppur si muove
Art and Mobility: Epur si muove! [ENG]
Eppur si muove or E pur si muove, commonly translated as “and yet it moves” ou “although it does move”, is a phrase attributed to Galileo Galilei. Controversially, and according to tradition, it would have been uttered right after Galileo rejected the heliocentric theory before the Inquisition.
Besides the trope which the expression’s rhetoric makes on what has just been contested, inverting its meaning, it also conveys the idea that stasis is an impossible condition for humans, because we are in perpetual movement. Moreover, the irony which the expression lends to the present context, as we emerge from a global confinement whose restrictions and obstacles rendered us immobile, is compounded by its strength as an expression of cultural resistance, as a rejection of the impediments and restrictions imposed on bodies and objects, thus reminding us of the capacity of resilience of speech, action and courage.
While this appeal to mobility has the tradition of deontological courage in the history of science, serving as an example of adherence to principles in the face of the violence of external opposing pressures, we can also easily discover its cultural density in the arts. Mobility can foreground artists’ displacement, their search for new influences and formations that can broaden the horizons of their capacity to produce art.
The acceleration in the dynamic and tension of the isms that mark western art since the age of the industrial revolution, cannot do without new possibilities of displacement, ever faster and in constant acceleration. This allows us to think about the intertwined relation between the movements of history and the displacements in the geographical space. Mobility implies the combination of space and time, but it also mobilizes ruptures.
However, this is not a new phenomenon. Much earlier than the industrial revolution and the possibilities of the global village, instantly connected at the speed of the internet, travel has always been present in Art, enabling the exchange and sharing of artistic objects, as well as techniques and styles. The history of art is a vast map that traces artistic travels and contacts, the movements of artists and works and the influences they transport. It is thus impossible to separate the movement of artists and their works which have occurred over time, for they are all connected to the movements of art history itself.
But while the emphasis on mobility does not present a new phenomenon, the contemporary moment amplifies the dimension and velocity of already present forms of mobility, from the Paleolithic, Mesolithic or Neolithic cultures, to the nomadic tradition of indigenous people in the Americas, Africa and Oceania. Current reflections on the questions raised by itinerant cultures are complex and manifold, namely as they convey an artistic and cultural logic grounded on their constant readiness for the mobile.
Artists themselves emerge as crucial agents in the question of mobility. Travelling artists seek to broaden their experience and knowledge. Travelling, as an extension of their education, became especially decisive in the Modern Era, as a feature of the educated artist of the Renaissance. Dislocation can aid a formation and its growth, but it can also carry with it ruptures, imply exiles, voluntary or not, political or artistic – aspects that have characterized the history of civilizations.
Displacement can be motivated by an artistic project, as in the case of plein air movements, which determined one of the most relevant issues in the e history of painting in the 19th century, culminating in one of the most mythical movements of modern art, impressionism, personified in Monet’s total plein air. Or, more recently, situationist dérives or Richard Long’s Land Art walks, or yet as an artistic action in Francis Alÿs’ famous displacement of a mountain in his work with Cuauhtémoc Medina e Rafael Ortega (When Faith Moves Mountains, 2002), amongst many others.
In the upcoming theme issue, we propose an in-depth reflection around the experience of travel in art, from the trope of the travelling artist, equipped with his journal, to plein air practices or contemporary models of AiR programs; in other words, the concept of travel as a motive or artistic process. We have an equal interest in the relations between artistic institutions and cultural travel as a market, namely the touristic dimension of art, launching a discussion that revolves around the relation between the urge to visit and artistic creation. Just as there is an artist’s tourism, even as it brings into play negative stigmas of the term as a mode of travel, there is an extensive and intensive tourism of and for art that motivates and mobilizes displacements.
Problematizing mobility convokes both its excess and pollution (as in Paul Virilio’s notion of “dromology”), as the idea of immobility; extremes which are necessary to the discussion of what displacements signal in the world of art. Besides time-based arts, such as literature, performance, cinema or music, the spatial-based visual arts are equally involved with movement by addressing the mobility of its referents, such as we see in the work of many artists, from Delacroix, Degas or Rodin, to the futurists and, albeit following another path, by cubism itself, with its idea of the author’s movement around the referent. Movement thus becomes a theme or problem for representation. But it can also be a constructive element of the work, allowing to extend the issue to the kinetic works, both material and virtual, from Russian constructivism to Op Art.
Mobility poses an encompassing cultural problem, whether viewed in the light of its’ agents’ mobility and all the cultural exchange ensuing from it (including questions of production from the standpoint of the artists, and of reception and the place of the observer), or as an internal question of the work, of its physical displacement, its theme or relation with its themes, or even with its internal construction.
In sum, there is a clear need to respond to this investigative and creative interest, both within the academic and artistic communities and their different approaches that consubstantiate a meaningful relation between art and mobility: Thus, we propose the following themes, as challenges for reflection:
- Velocity, travel and mobility in the arts
- The travelling or moving artist: form tours, peregrinations, or plein air practices to AiR programs.
- AiR programs and how they bring into play notions of displacement as temporary sites and their impacts on artistic (re) creation.
- Displacements through exile, migratory movements or other post-colonial trajectories
- Artistic projects based on action and mobility, implying movement and displacement.
- The displacements of art works and collections, through exhibitions or historical ransacking.
- The artistic turned event: works and collections in transit
- Artistic sojourns in the world of the self: as artist, curator, spectator, etc.
- Cultural mobility of artistic practices, primarily in the spirit of modern and contemporary art and under the sign of artistic avant-gardes.
Nevertheless, in the spirit of this issue’s theme, the proposal is open to any other possible lines of inquiry, whether to reflect upon its counterpoints and restrictions to mobility, to the imposed or accidental processes of immobility – the recent global Covid19 pandemic being a clear case in point. After all, Eppur si muove.
Art et Mobilité: Eppur si muove!
Eppur si muove ou E pur si muove, communément traduit par “et pourtant elle tourne” (littéralement : “et pourtant elle bouge”), est une phrase attribuée à Galilée. Selon la tradition, elle aurait été prononcée dans une intention polémique juste après que Galilée eut rejeté la théorie héliocentrique devant le tribunal de l’Inquisition.
Par delà l’effet rhétorique, qui vise à inverser le sens en détournant ce qui vient d’être contesté, cette expression véhicule également l’idée que la stase est une condition impossible pour nous autres humains, car nous sommes en perpétuel mouvement. Par ailleurs, le contexte actuel ne peut que nous faire ressentir toute l’ironie de l’expression, à nous qui sortons à peine d’un enfermement global, imposant une chape de plomb immobiliste, et nous faire mesurer sa force de résistance culturelle, sonnant comme un refus des entraves et des restrictions imposées aux corps et aux objets, rappelant la capacité de résilience de la parole, de l’action et du courage.
L’histoire des sciences nous a appris à interpréter cet appel à la mobilité comme une forme traditionnelle de courage déontologique, exemplaire du maintien des principes face à la violence de pressions extérieures antagonistes ; les arts nous offrent par ailleurs un champ où l’on peut en apercevoir une modulation culturelle.
L’idée de mobilité peut concerner le déplacement des artistes, leur quête de nouvelles influences ou des formations susceptibles d’élargir leurs horizons ou leur technicité. L’accélération des dynamiques et des tensions portées par les “-ismes” qui marquent l’art occidental depuis l’ère de la révolution industrielle, s’accompagne de nouvelles possibilités de déplacement, toujours plus rapides et en accélération constante. Mouvements de l’histoire et déplacements dans l’espace géographique sont liés. La mobilité implique la combinaison de l’espace et du temps.
Cependant, il ne s’agit pas d’un phénomène nouveau. Bien avant la révolution industrielle et les possibilités du village global (connecté instantanément à la vitesse de l’internet), le voyage a toujours été présent dans l’art : il permet l’échange et le partage d’objets artistiques, ainsi que des techniques et des styles. L’histoire de l’art est une vaste carte qui retrace les voyages et les contacts artistiques, les déplacements des artistes et des œuvres ainsi que les influences qu’ils accompagnent. Le mouvement des artistes et de leurs œuvres est relié aux mouvements de l’histoire de l’art elle-même.
Nous connaissons des cultures itinérantes, véhiculant une logique artistique et culturelle fondée sur une disponibilité constante à la mobilité. Ainsi des cultures paléolithiques, mésolithiques ou néolithiques, ou, plus proche de nous, les traditions nomades des peuples indigènes des Amériques, d’Afrique et d’Océanie.
Les artistes eux-mêmes apparaissent comme des acteurs cruciaux sur cette question de la mobilité. Les artistes voyageurs cherchent à élargir leur expérience et leurs connaissances ; le voyage, véritable extension de leur formation, devint particulièrement déterminant à l’époque moderne et pour tout artiste éduqué de la Renaissance. Ces déplacements peuvent favoriser la formation et l’auto-affirmation, comme ils peuvent être synonymes d’exils, volontaires ou non, politiques ou artistiques – et participent activement à l’histoire des civilisations. Le déplacement peut encore être motivé par un projet artistique, comme avec la “peinture de plein air”, qui a élaboré l’une des questions les plus pertinentes de l’histoire de la peinture au XIXe siècle, et culmina dans l’un des mouvements les plus mythiques de l’art moderne, l’impressionnisme, couronné dans le plein air total de Monet. Plus récemment, on pourrait relever les dérives situationnistes, les promenades du Land Art d’un Richard Long, ou le célèbre déplacement d’une montagne par Francis Alÿs dans son travail avec Cuauhtémoc Medina et Rafael Ortega (When Faith Moves Mountains, 2002).
Dans le prochain numéro thématique de Convocarte, nous proposons de mener une réflexion approfondie sur l’expérience du voyage dans l’art, le trope de l’artiste voyageur muni de son journal, les pratiques de plein air ou le modèle contemporain des résidences; en d’autres termes, penser le concept de voyage comme motif ou processus artistique. Nous nous intéresserons également aux relations entre les institutions artistiques et le voyage culturel en tant que marché (la dimension touristique de l’art), en interrogeant la relation entre l’envie de visiter et la création artistique : de même qu’il existe un tourisme de l’artiste (en laissant de côté les accents négatifs du terme limité au seul mode de déplacement), il existe aussi un tourisme de et pour l’art qui motive et mobilise les déplacements.
La problématisation de la mobilité convoque d’un côté ses excès et sa pollution (comme dans la notion de ” dromologie ” de Paul Virilio) et de l’autre l’idée d’immobilité : telles sont les deux extrémités d’une discussion interrogeant ce que la mobilité et les déplacements signalent dans le monde de l’art. Outre les arts dits du temps (comme la littérature, la performance, le cinéma ou la musique), les arts plastiques, dits de l’espace, sont également impliqués dans le mouvement, comme nous le voyons à travers le travail de nombreux artistes qui abordent la mobilité des référents, de Delacroix, Degas ou Rodin, aux futuristes ou à l’inverse, dans le cubisme qui porte l’idée du déplacement de l’artiste autour du référent. Le mouvement devient ainsi un thème ou un problème pour la représentation. Il peut enfin s’agir d’un problème dans l’élaboration de l’œuvre, permettant d’étendre la question aux œuvres cinétiques, matérielles et virtuelles, du constructivisme russe à l’Op Art.
La mobilité se pose donc en problème culturel global, partant de la mobilité des acteurs (les lieux de travail et de production des artistes, ceux de la réception de l’œuvre ou encore la place de l’observateur) et de tous les échanges culturels impliqués, jusqu’à l’approche interne à l’œuvre, son déplacement physique, son thème ou l’intrication de ses motifs, voire sa construction interne.
Cet intérêt, tant sur le plan de la recherche que de la création, pour la question de la mobilité en art pourra s’éclairer des perspectives différentes des communautés universitaire et artistique. Nous proposons les pistes suivantes, comme autant d’invitations à la réflexion :
– Vitesse, voyage et mobilité dans les arts
– L’artiste voyageur ou en mouvement : tournées, pérégrinations, pratiques de plein air, résidence d’artistes.
– Les résidences d’artistes et la manière dont, en tant que sites temporaires, elles mettent en jeu les notions de déplacement et leurs impacts sur la (re)création artistique.
– Déplacements à travers l’exil, les mouvements migratoires ou autres trajectoires post-coloniales.
– Les projets artistiques fondés sur l’action et la mobilité, impliquant le mouvement et le déplacement.
– Les déplacements d’œuvres et de collections d’art, à travers des expositions ou des saccages historiques.
– œuvres et collections en mutation : quand l’artistique devient événement
– Les voyages artistiques dans le monde du soi : en tant qu’artiste, conservateur, spectateur, etc.
– En contrepoint, les entraves à la mobilité, ou à l’immobilité, comme le récent cas mondial du Covid 19…
– La mobilité culturelle des pratiques artistiques, principalement dans l’esprit de l’art moderne et contemporain et aussi sous le signe des avant-gardes artistiques.
Fernando Rosa Dias
Susana Gastal
Colaboração: Bruna Lobo, Diogo Costa, Jamila Pontes e Pascal Krajewski
N.º 12/13: ARTE E «PAIDEIA» / ART AND «PAIDEIA» / ART ET «PAIDEIA» [PT; EN; FR]
Painel frontal do sarcófago de Marcus Cornelius Statius com cenas da vida de uma criança. Relevo em mármore. / Front panel of the sarcophagus of Marcus Cornelius Statius with scenes from the life of a child. Marble relief / Sarcophage de Marcus Cornelius Statius : évocation de la vie d’un enfant. Relief en marbre. Ca. 150 a. C., 149 cm x 47.5 cm, Paris, Museu do Louvre (Inv. No. Ma 659).
CONVOCARTE 12-13 : ARTE E «PAIDEIA» / ART AND «PAIDEIA» / ART ET «PAIDEIA»: PLANNING 2021 PT FR EN January Chamada Appel Call May, 31 Primeira proposta de trabalho (título, tema, CV) a enviar a (1) Première proposition de travail (titre, thème, cv) à envoyer à (1) Initial Proposal (title, subject, cv) to send to (1) September, 30 Envio do texto final a (1) Envoi du texte final à (1) Final draft sent to (1) OCTOBER PEER-REVIEW OCT-NOV Revisão do texto pelo autor segundo as sugestões dos revisores Révision du texte par l’auteur selon les suggestions des relecteurs Text with changes introduced by authors according to suggestions from peer reviews. NOVEMBER Design gráfico Maquettage Editing DECEMBER última revisão do texto paginado pelo autor dernière relecture du texte mis en page par l’auteur Final proof-reading of the edited text by the author JANV 2022 lançamento sortie launch (1) : convocarte@belasartes.ulisboa.pt [temporariamente inactivo/temporarily inactive]; convocarte.belasartes@gmail.com
Arte e «Paideia» [PT]
«O ateniense – Entendo assim por educação [paideia] a primeira aquisição que a criança faz da virtude [aretê] (…)» (Platão, Leis, século IV a.C., Livro II, 653)
«Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que essa coisa se contempla, não com os olhos do Homem moderno, mas sim com os olhos do Homem grego. Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez.» (Jaeger, Paideia: A Formação do Homem, 1995 [1933], 1)
Se originalmente paideia (que surge pela primeira vez na peça teatral Os Sete contra Tebas, Ésquilo, 467 a.C.) designava simplesmente a “criação dos meninos”, à medida que filósofos como Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles refletem sobre o seu significado, este conceito adquire maior densidade, passando a agregar, não só a ideia de aretê (do grego ἀρετή, excelência ou virtude moral), como de kalos kagathos (do grego καλὸς κἀγαθός, belo e bom ou virtuoso), com vista à formação do homem completo e, especialmente, do cidadão justo. Para isso, deveriam ser selecionadas e incentivadas aprendizagens, algumas artísticas, que conduziriam à assimilação de tais valores: «O termo grego paideia evoca tanto o próprio conteúdo da cultura como o esforço para constituir, na criança (Pais, Paidós) um património de valores intelectuais e morais que a integram na comunidade humana». (Mialaret e Vial, 1981, p. 165)
Assim, e acompanhando a complexificação do conceito, este ideal de formação humana grego, viria a traduzir-se na fórmula latina Mens sana in corpore sano, da autoria do poeta romano Décimo Júnio Juvenal, para quem «o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude» (Sátira X: A vaidade dos desejos humanos, in Juvenal, Livro 4, 1711 [séc. I d. C.]), defendendo para isso o desenvolvimento harmonioso e equilibrado de uma mente sã num corpo são, sem prevalência ou prejuízo de qualquer um deles. Neste contexto, na cultura clássica, a formação disciplinar do sujeito, guiado pelas musas, incluía as artes, e muito especialmente a música e a poesia, concebidas como meios para nutrir o espírito, aguçando o sentido de justiça, que conduziria ao virtuosismo almejado. Considerando as expressões arte na educação, educação para a arte e educação pela arte, definidas por Madalena de Azeredo Perdigão (Educação Artística, 1981, p. 287), é curioso concluir que, num sistema clássico, o cidadão comum (ou não tão comum assim, pois tanto a Antiga Grécia como a Antiga Roma constituíam civilizações assentes em hierarquias, com marcadas distinções de classe e de género), não só recebia uma formação que o imbuía nas artes, enquanto manifestações que consubstanciam o legado de uma civilização, cultivando o gosto como apreciador de objetos artísticos e participando ativamente em situações claras de aproximação às artes, «no plano do desenvolvimento cultural» (arte na educação); mas era igualmente formado como um artista, adquirindo «conhecimentos, métodos e técnicas relativos aos diversos domínios da arte (educação para a arte), experimentando assim os processos cognitivos inerentes à produção artística, não com o propósito de se tornar um artista, mas sim «do desenvolvimento harmonioso da personalidade» (educação pela arte), o que revela uma visão integradora destas três dimensões, entretanto apartadas.
E hoje? Será que as artes ainda constituem elementos fundadores da nossa paideia enquanto seres humanos? Percorridos mais de vinte séculos desde a origem do termo, que influenciou a humanitas romana, a que se seguiram a paideia cristã, o humanismo renascentista, a Bildung alemã… (entre outros ideais civilizacionais), de que modo contribuem hoje as artes para a formação das crianças (tomando como referência a origem do conceito)? E de que modo proporcionam as artes uma aproximação a valores essenciais e estruturantes da humanidade, seja na infância, seja em qualquer momento da nossa formação como “humanos”, ajudando-nos a alcançar a virtude (considerando a evolução do seu significado, atualmente património de valores, transmitido de geração em geração, mas cultivado ao longo da vida)?
Na atualidade, tomando como referência artistas que se debruçam sobre problemas sociais e recorrem à sua arte para se posicionarem e defenderem os seus valores, assim como outros profissionais (educadores, professores, mediadores) que praticam uma educação artística assumidamente implicada e transformadora, assente em questões de género, raciais e outras, com vista à construção de sociedades mais justas, podemos afirmar que, quer na esfera da arte, quer na esfera da educação, formar seres humanos íntegros continua a ser preocupação de alguns.
Porém, se considerarmos a diversidade de posições assumidas, quer no universo das artes, quer no terreno da educação, no presente, não só as questões que esta temática levanta se encontram por responder, como a sua discussão não é pacífica.
Com tendências políticas educacionais a reduzirem, em vários lugares geográficos, o papel e necessidade das artes nos currículos de formação de base, seguindo prerrogativa de modelos derivados de um pragmatismo simplista, em que dominam fins, objetivos e resultados, e até vinculado a eficácias económico-financeiras, parece premente reequacionar o problema na atualidade.
É igualmente necessário atentar que as artes se alteraram bastante ao longo da Era Contemporânea, transportando novos paradigmas, que problematizam o seu lugar. Já não estamos no tempo das belas-artes. O processo de autonomia da esfera artística, lançado a partir do século XVIII, trouxe consigo mecanismos críticos, para dentro e fora do campo da arte. Para além da kalokagathia platónica, novos problemas envolvem o sentido e possibilidades de uma paideia contemporânea atenta a um lugar das artes. Por outro lado, as academias tornaram-se espaços de ensino superior, politécnicos ou universitários, desenvolvendo possibilidades inéditas de trabalhos, tanto nesses níveis de formação e investigação, como no campo artístico, aos quais já não subjaz a concepção de uma obra de arte bela ou verdadeira. Exemplos variados de projetos que implicam conceções de arte que rompem com a estética clássica e eurocêntrica dominante podem ser encontrados nas recentes dinâmicas da investigação em artes. Neste contexto, têm surgido novas práticas artísticas, desenvolvidas num campo próprio, a partir de outros modos de conceber e trabalhar as artes, entre os quais destacamos, no âmbito desta temática, a a/r/tografia, que implica e interliga três dimensões: a (de artista), r (de researcher, investigador) e t (de teacher, professor).
Assim, perante as várias dinâmicas da arte contemporânea e a actual situação dos modelos e processos de formação abrem-se espaços a partir dos quais se podem gizar novos modos de (re)pensar as relações entre arte e paideia.
Na edição dos dois próximos números da Convocarte, desafiamos a uma reflexão em torno da paideia no presente, em pleno século XXI, com toda a sua herança histórica e civilizacional, equacionando o lugar da arte, per si pedagógica, e/ou o lugar da educação artística, dentro e fora das escolas, na formação humana, para a qual propomos algumas possíveis linhas de trabalho:
- Arte e paideia na Grécia Antiga: as artes (e, em particular, a música e a poesia) na formação humana.
- Arte, paideia e humanitas: comparação entre as artes na formação humana na Grécia Antiga e na Roma Antiga.
- Arte e paideia noutros sistemas de formação humana, como a Bildung alemã, numa perspetiva histórica.
- Arte e paideia, hoje: Como formam as artes o ser humano, dentro e fora da escola? Existe uma paideia universal, transversal a diversas civilizações e culturas e homogeneizadora do ser humano? Ou ainda subsistem paideiai inerentes a civilizações/culturas particulares? Que paideia/paideiai é/são transmitidas hoje, através das artes, e que valores edificam?
- Arte e paideia, ontem e hoje: Faz sentido uma formação integral, simultaneamente como artistas e como cidadãos, na formação de todos os seres humanos, na contemporaneidade? Se sim, qual o papel das artes no desenvolvimento dessa formação integral?
- Arte e paideia, ontem e hoje: Pode a arte contemporânea (per si) contribuir para uma formação humana com vista à virtude, no sentido epistemológico grego?
- Arte e paideia, ontem e hoje: Pode uma educação pela cultura visual contemporânea contribuir para edificação de valores como a virtude, no sentido epistemológico grego.
- Arte e paideia, ontem e hoje: Que valores é urgente reinventar e/ou introduzir nas novas paideiai veiculadas através das artes e/ou das abordagens de educação artística nas sociedades contemporâneas?
«A função das artes através da história cultural humana foi e continua a ser uma tarefa de “construção da realidade”. As artes constroem representações do mundo, que podem ser acerca do mundo real ou sobre mundos imaginários que não estão presentes, mas que podem inspirar os seres humanos à criação de um futuro alternativo para si próprios». (Arthur Efland, Arte e Cognição: Integrando as artes visuais no currículo, 2001, p. 171)
Arte and «Paideia» [EN]
«Now I mean by education [paideia] that training which is given by suitable habits to the first instincts of virtue [aretê] in children (…)» (Plato, Laws, 4th century BC., Book II, 653)
«By using a Greek word for a Greek thing, I intend to imply that it is seen with the eyes, not of modern men, but of the Greeks. It is impossible to avoid bringing in modern expressions like civilization, culture, tradition, literature, or education. But none of them really covers what the Greeks meant by paideia. Each of them is confined to one aspect of it: they cannot take in the same field as the Greek concept unless we employ them all together.» (Jaeger, Paideia: The Ideals of Greek Culture, 1947 [1933], v)
While originally, the term paideia (which appears for the first time in Aeschylus’ play Seven Against Thebes, 467 B.C.) simply designated the “education of children”, as Philosophers such as Socrates, Plato, Isocrates and Aristotle reflected upon its meaning, this concept acquired greater density and began to incorporate, not just the concept of arete (from the Greek ἀρετή, meaning excellence or moral virtue) but also of Kalos kagathos (from the greek καλὸς κἀγαθός, the beautiful and the good or virtuous), intended to shape the complete human personality and, more precisely, to create the upstanding citizen. Achieving such an aim implied selecting and promoting the kind learnings – namely artistic – conducive to the assimilation of said values: «The Greek term paideia evokes both the content of culture itself as the effort to imbue the child (paidos) with a legacy of intellectual and moral values essential to their integration in the human community». (Translated from: Mialaret e Vial, 1981, p. 165)
Thus, following this concept’s complexification, the Greek ideal of human education would translate into the Latin dictum Mens sana in corpore sano, penned by the roman poet Juvenal, for whom «The one true path that leads to a tranquil life is that of virtue» (Sátira X: The vanity of human wishes, in Juvenal, Book IV, 1711 [1st century BC.]), thus recommending the harmonious and balanced development of a healthy mind in a healthy body whlle preempting neither. In this context, the diverse study fields imparted on the subject in classical culture – guided by the muses – included the arts and especially music and poetry, conceived as paths to a spiritual nourishment that would sharpen the sense of justice, ultimately leading to the aimed virtuousness. When we consider notions of art in education, education in the arts and education through art, as identified by Madalena de Azeredo Perdigão (Educação Artística, 1981, p. 287), we may interestingly be led to conclude that in a classical system, common citizens (perhaps not as common, for both ancient Greek and Roman civilizations were hierarchically structured upon strict class and gender distinctions) received, not only an education that imbued them in the arts as manifestations which consubstantiate a civilization’s heritage, cultivating a taste for artistic objects and actively promoting a clear approximation to the sphere of art «in the domain of cultural development» (art in education); they were equally educated as artists, acquiring «knowledge, methods and techniques in the different artistic expressions (education in the arts), thus experiencing the cognitive processes that are inherent to artistic production, not with the goal of becoming artists, but to achieve a «harmonious development of the personality» (education through art) – revealing an integrative conception of these three dimensions that have since been separated.
What about today? Can we say that the arts are still a central feature of our paideia as human beings? Having crossed over twenty centuries since the origin of a term that influenced the Roman humanitas, followed by the Christian paideia, renaissance humanism, German Bildung (among other civilizational paradigms) … How do the arts nowadays contribute towards the education of children (taking the original sense of the term paideia as our main reference)? How do the arts provide an approximation to the essential and structuring values of humanity, whether in childhood or at any other stage of our shaping as “humans”, helping us to attain virtue (considering the term’s evolution as a heritage of values handed down through generations, but cultivated throughout a person’s life)?
Considering the number of artists who currently deal with social issues and use their art to position themselves in upholding a given set of values, as well as other professionals (educators, teachers, mediators) who practice an arts education that is openly engaged and transformative in regard to gender-related, racial-related or other relevant contemporary issues, as a means to build more balanced and fair societies, we can claim that today, whether in the sphere of art or in the sphere of education, shaping complete human beings remains a relevant concern for some.
However, when we face the diversity of positions assumed in this context, both in the domain of the arts as in the field of education, not only do the questions raised by this theme remain largely unanswered, but indeed are all but a settled debate.
As the trends in education policies, witnessed in different points of the world, shrink the role and centrality of arts in the curricula of basic education, following the prerogative of models derived from a simplistic pragmatism led by the metrics of targets, objectives and results – indeed bound to criteria of economic and financial efficiency – rethinking this issue remains an urgent task.
It is equally necessary to bear in mind that the arts have suffered substantial transformations throughout the Contemporary Era, giving rise to new paradigms through which to problematize their place. We no longer live in the period of the fine-arts. The process of autonomy in the artistic sphere, launched since the 18th century, brought with it critical mechanisms within and outside the field of art. Besides platonic kalokagathia, new problems involve the meaning and possibilities of a contemporary paideia attentive to the place occupied by the arts. On the other hand, academies have become spaces of higher education (polytechnic or universitary) that have developed unprecedented potential of work, both in the domains of education and research as well as in the artistic field, that are no longer reliant upon the underlying concept of a true and beautiful work of art. Within the recent dynamics of artistic research we find multiple examples of a broad variety of projects implying conceptions of art that break away with the dominance of a classical and Eurocentric aesthetics. In this context, new artistic practices have emerged and been developed within their fields, based on different modes of conception and production in the arts. Amongst these, within the scope of the theme at hand, we single out a/r/tography, which involves and connects three dimensions: a (artist), r (researcher) and t (teacher).
Thus, the diverse dynamics of contemporary art and the current situation of education models and processes, have opened up new spaces from which to chart new modes of (re)thinking the relations between art and paideia.
For the next two numbers of Convocarte’s upcoming thematic issue, editors challenge authors to reflect upon the notion of paideia in the present, as we move along the 21st century with all its historical and civilizational legacies, equating the place of art (a pedagogical domain per se) and/or the place of arts education (within and outside schools) with human education. Toward this endeavor, we lay out a few possible lines of enquiry:
- Art and Paideia in ancient Greece: the arts (in particular music and poetry) in human education.
- Art, paideia and humanitas: compared analyses of art in human education in ancient Greece and Rome.
- Art and paideia in other human education systems, such as the German Bildung, from a historical perspective.
- Art and paideia today: How do the arts educate the human being, within and outside of school? Is there such a thing as a universal paideia, common to different civilizations and cultures, parallel to a universal conception of humanity? Or are we still bound by paideiai that are inherent to specific cultures. Which paideia/paideiai are currently imparted through the arts, and what values do they convey?
- Art and paideia, past and present: Does an integrated education – as artists and citizens – make sense in the education of all human beings in the contemporary context? If so, what is the role of art in the development of such an integrated education.
- Art and paideia, past and present: Can contemporary art (per se) contribute towards a human education in the pursuit of virtue, in the epistemological sense of the Greek term?
- Art and paideia, past and present: Can an education through contemporary visual culture contribute towards the construction of values such as virtue, in the epistemological sense of the Greek term?
- Art and paideia, past and present: Which values are in urgent need of reinvention and/or introduction in the new paideiai conveyed through the arts and/or in arts education approaches in contemporary societies?
«The function of the arts throughout human cultural history has been and continues to be the task of “reality construction.” The arts construct representations of the world, which may be about the world that is really there or about imagined worlds that are not present, but that might inspire human beings to create an alternative future for themselves.» (Arthur D. Efland, Art and Cognition: Integrating the visual arts in the curriculum, 2001, p. 171)
Arte et «Paideia» [FR]
« J’appelle éducation la vertu qui se montre dans les enfants, (…), sans qu’ils soient en état de s’en rendre compte, et lorsque, la raison étant survenue, ils se rendent compte des bonnes habitudes auxquelles on les a formés. » (Platon, Les lois, Livre II, §653)
« il est impossible d’éviter l’usage d’expressions modernes telles que civilisation, culture, tradition, littérature ou éducation. Mais aucune d’entre elles ne recouvre véritablement ce que les Grecs appelaient paideia. Elles se focalisent sur un aspect de la chose : elles ne sauraient embrasser le concept grec, à moins de les employer toutes ensemble. » (Werner Jaeger, Paideia [tome 1], Paris, Gallimard, 1964)
Si, originellement, le terme paideia (qui apparaît pour la première fois en 467 av JC, dans la pièce d’Eschyle Les sept contre Thèbes) désignait seulement « l’éducation des enfants », la notion vint à s’épaissir avec les réflexions philosophiques de Socrate, Platon, Isocrate ou Aristote, de sorte qu’elle commença à intégrer à la fois le concept d’arêté (excellence et vertu morales) et aussi celui de kalos kagathos (la beauté et le bien ou la vertu), pour devenir ce qui donne forme complète à la personnalité humaine et plus encore forge l’honnête citoyen. Pour y parvenir, il fallait sélectionner et promouvoir un certain type d’enseignements – nommément artistiques – permettant l’assimilation de ces dites valeurs : « le terme grec paideia évoque autant le contenu même de la culture que l’effort nécessaire pour imprégner l’enfant (paidos) des valeurs morales et intellectuelles héritées, essentielles à son intégration dans la communauté des hommes ». (Traduit de: Mialaret e Vial, 1981, p. 165)
Accompagnant cette complexification conceptuelle, l’idéal grec d’éducation humaine allait alors se voir traduire dans le dicton latin Mens sana in corpore sano, forgé par le poète romain Juvénal (Satire X, 2nd siècle), pour qui “le seul chemin véritable qui mène à une vie tranquille est celui de la vertu”, et qui dès lors recommandait le développement harmonieux et équilibré d’un esprit sain dans un corps sain, sans la prévalence ni les préjugés de l’un d’eux. Dans ce contexte, les divers domaines d’étude concernés par la culture classique se plaçaient sous la conduite des muses, et incluaient les arts (spécialement la musique et la poésie) considérés comme une nourriture spirituelle aiguisant le sens de la justice et confinant dans la vertu recherchée. Si l’on s’intéresse aux idées que sont l’art dans l’éducation, l’éducation aux arts ou l’éducation par l’art, ainsi que les a proposées Madalena de Azeredo Perdigão (Educação Artística, 1981, p. 287), on pourrait être amené à conclure que dans un système classique, les citoyens lambdas (peut-être pas si lambda que cela, puisque les civilisations tant grecques que latines étaient structurées hiérarchiquement sur de strictes distinctions de classe et de genre) recevaient, non seulement une éducation qui les acclimatait aux arts (comprendre : aux manifestations consubstantielles à tout héritage civilisationnel), qui cultivait en eux un certain goût pour les objets d’art et qui favorisait une saine évaluation de la sphère artistique « dans le but d’un développement culturel » (art dans l’éducation); mais qu’ils étaient également éduqués comme des artistes, acquérant « le savoir, les méthodes et les techniques des différents domaine de l’art » (éducation aux arts) ; et qu’ils faisaient ainsi l’expérience de processus cognitifs inhérents à la production artistique, non pour devenir des artistes eux-mêmes, mais pour atteindre un « développent harmonieux de la personnalité » (éducation par l’art). Se révélait bien ici une conception intégrée de ces trois dimensions, qui ont été séparées depuis lors.
Qu’en est-il aujourd’hui ? Peut-on dire que les arts sont toujours un élément central de notre paideia en tant qu’être humain ? Ayant traversé vingt siècles depuis l’origine d’un mot qui influença l’humanitas latine, la paideia chrétienne, l’humanisme renaissant, la Bildung allemande (parmi combien d’autres paradigmes civilisationnels), comment les arts contribuent-ils de nos jours à l’éducation des enfants (en nous référant ici au sens originel du terme) ? En quoi les arts proposent-ils une approximation de nos valeurs les plus essentielles et structurantes, que ce soit au moment de l’enfance comme à n’importe quel stade de notre formation d’homme, dans notre quête de la vertu (considérant le terme à la fois comme l’héritage de valeurs se transmettant de générations en générations, et comme ce qui se cultive à l’échelle d’une vie personnelle)?
Si l’on considère un instant le nombre d’artistes qui, à l’heure actuelle, traitent des questions sociales et utilisent leur art pour se positionner comme défenseur d’un certain nombre de valeurs, ou bien d’autres professionnels (éducateurs, professeurs, médiateurs) qui pratiquent une éducation artistique ouvertement engagée et transformatrice sur les questions de genre, de race, ou autres enjeux sociétaux – l’art pourrait nous sembler être un moyen de construire une société plus juste et plus équitable. Nous pourrions alors affirmer que la question de la formation complète des êtres humains reste pertinente, qu’elle résonne dans la sphère de l’art ou dans celle de l’éducation.
Cependant, si nous examinons la diversité des positions prises à ce sujet, que ce soit dans le domaine artistique ou dans le champ éducatif, il nous semble que non seulement les questions posées par ce thème restent pendantes, mais qu’elles sont tout sauf un débat clos.
Tandis que les tendances actuelles dans les politiques éducatives observées dans différentes parties du globe, amoindrissent le rôle et la centralité des arts dans les cursus éducatifs de base, suivant en cela la prééminence de modèles dérivés d’un pragmatisme simpliste gouvernés par une métrique des buts, des objectifs et des résultats – puisque liés aux critères d’efficience économique et financière –, repenser cette question constitue une tâche urgente.
Il est également nécessaire de garder à l’esprit que les arts ont subi des transformations substantielles au cours de leur traversée de l’ère contemporaine, mère de nouvelles manières de problématiser leur existence. Nous ne vivons plus au temps des Beaux-arts. L’autonomisation de la sphère artistique lancée au 18è siècle a induit des mécanismes critiques dans et hors du champ de l’art. Au delà de la kalokagathia platonicienne, de nouveaux problèmes impliquent le sens et la possibilité même d’une paideia contemporaine attentive à la place octroyée aux arts. Par ailleurs, les écoles sont devenues des lieux d’éducation prolongée (polytechnique ou universitaire), qui ont développé de nouveaux horizons de travail, que ce soit dans le domaine de l’éducation et de la recherche, ou dans le champ artistique à présent désolidarisé du concept sous-jacent d’authentique ou de belle œuvre d’art. A l’intérieur des dynamiques récentes de la recherche artistique, nous trouvons de nombreux exemples variés de projets impliquant des conceptions de l’art qui rompent avec la domination de l’esthétique classique et euro-centrée. Dans ce contexte, de nouvelles pratiques artistiques ont émergé et se sont développées à l’intérieur de leur champ, fondées sur divers modes de conception et de production artistiques. Parmi celles-ci, pour nous en tenir à notre champ d’étude, nous pouvons signaler l’a/r/tography, qui implique et relie les trois dimensions que sont l’art (a), la recherche (r) et l’enseignement (t de teacher).
Ainsi, les diverses dynamiques de l’art contemporain de même que la situation actuelle des modèles et procédés éducatifs, ont-elles ouvert de nouveaux champs à partir desquels des façons inédites de (re)penser les relations entre art et paideia peuvent être envisagées.
Pour ces deux futurs numéros thématiques de la revue Convocarte, les éditeurs proposent aux auteurs de réfléchir à cette notion de paideia, aujourd’hui, alors que nous avançons dans le 21ème siècle fort de tout un héritage historique et civilisationnel, notion qui continue d’assimiler la place de l’art (un domaine pédagogique en soi) et/ou celle de l’éducation artistique (dans et hors des écoles) à l’éducation de l’homme. Dans cette perspective, nous proposons quelques axes de recherche :
- Art et paideia dans la Grèce antique : les arts (en particulier musique et poésie) dans l’éducation.
- Art, paideia et humanitas: analyses comparées de l’art dans l’éducation de la Grèce et la Rome antiques.
- Art et paideia dans d’autres systèmes éducatifs (telle que la Bildung allemande) d’un point de vue historique.
- Art et paideia de nos jours : comment les arts éduquent-ils l’être humain, dans et hors de l’école ? Y a-t-il quelque chose comme une paideia universelle, commune aux diverses civilisations et cultures, corrélative d’une conception universelle de l’humanité ? Ou sommes-nous toujours liés par des paideiai inhérentes à certaines cultures particulières ? Quelle(s) paideia/paideiai est/sont aujourd’hui concernée(s) par les arts et quelles valeurs convoi(en)t-elle(s) ?
- Art et paideia, passé et présent : une éducation intégrée (d’artiste et de citoyen) fait-elle sens pour l’éducation des hommes dans un contexte contemporain ? Si oui, quel est le rôle de l’art dans le développement d’une telle éducation intégrée ?
- Art et paideia, passé et présent : l’art contemporain (au sens propre) peut-il contribuer à l’éducation de l’homme et sa quête de la vertu (au sens épistémologique du terme grec) ?
- Art et paideia, passé et présent : une éducation à travers la culture visuelle contemporaine peut-elle contribuer à la construction de valeurs telles que la vertu (au sens épistémologique du terme grec) ?
- Art et paideia, passé et présent : quelles valeurs sont en besoin vital de réinvention et/ou d’introduction dans les nouvelles paideiai induites par les arts et/ou les approches d’éducation artistique proposés par nos sociétés contemporaines ?
« La fonction des arts a toujours été de participer à la ‘construction de la réalité’. Les arts construisent des représentations du monde, qui peuvent être à propos du monde véritablement là ou à propos de mondes imaginés absents mais qui sont suceptibles d’inspirer les hommes dans leur création d’un autre futur pour eux-mêmes.” (Arthur Efland 2002: 171)
A Coordenação Científica Geral: Fernando Rosa Dias
A Coordenação Científica do Dossier Temático «Arte e Paideia»: Ana Sousa
Tradução para inglês: Diogo Freitas
Tradução para francês: Pascal Krajewski
Ana Sousa (Lisboa, 1980)
Professora auxiliar convidada e coordenadora do grupo de Educação Artística do Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA), na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), onde trabalha desde 2009. Licenciada em Artes Plásticas – Pintura (2003), mestre em Educação Artística (2007, com a dissertação A formação dos professores de artes visuais em Portugal) e doutora em Educação Artística (2016, com a tese Novos paradigmas, novas práticas? A didática na formação de professores de artes visuais em Portugal), pela Universidade de Lisboa. Docente no Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário (desde 2009-2010), no Mestrado em Educação Artística (desde 2010-2011) e no Doutoramento em Educação Artística (desde 2018-2019).
Ao longo do seu percurso, quer como docente, quer como investigadora, tem vindo a trabalhar na formação de educadores e professores de todos os níveis (exceptuando o superior), desde o pré-escolar ao ensino secundário, em instituições públicas e privadas. Tem lecionado as áreas de Artes Visuais, Didática das Artes Visuais e Didática das Expressões Integradas (Licenciaturas em Educação Básica, Mestrados em Educação Pré-Escolar, Educação do 1º Ciclo do Ensino Básico, Ensino do 1º Ciclo e 2º Ciclo do Ensino Básico e no já mencionado Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário) e desenvolvido projetos colaborativos, entre os quais o mais recente: Arte, Educação e Infância, composto por uma equipa internacional (oito países), que visa problematizar uma discussão em torno da dupla de questões: Como têm as crianças visto e representado (o mundo)? Como têm sido as crianças vistas e representadas (no universo da cultura visual)?
Enquanto investigadora, os seus interesses principais incluem as “didáticas da didática” enquanto unidade curricular na formação de educadores e professores e o diálogo entre concepções (do que é e para que serve a arte) e práticas (artísticas ou educativas), tanto na formação de educadores e professores, como na formação artística dos estudantes, através da educação pela cultura visual e outras abordagens disruptivas, que impliquem uma pedagogia crítica.
Neste âmbito, tem participado em conferências nacionais e internacionais e publicado artigos como Do we ever change? Rethinking visual arts (curricular) didactics as a place of reassurance or transformation of beliefs and practices (ECER Annual Conference: Education in an Era of Risk – the Role of Educational Research for the Future, Hamburgo, 2019), A paisagem aos olhos dos jovens: da pintura flamenga à cultura visual (VIII Congresso Internacional Matéria Prima, Lisboa, 2019), “Desenho como uma criança de 5 anos” Traços e traumas na formação de educadoras de infância e professoras de 1º ciclo (VII Congresso Internacional Matéria Prima, Lisboa, 2018), Redesigning didactics in visual arts teacher education: Moving from contents to lives (42.ª ATEE Annual Conference: Changing Perspectives and Approaches in Contemporary Teaching, Dubrovnik, 2017), Portraiture today: between contemporary art, selfies and schools (InSEA Regional Conference: Art and Design Education in Times of Change, Viena, 2016), e Redesigning ourselves: Who are we and who do we intend to become as visual arts teachers? (39.ª ATEE Annual Conference: Transitions in Teacher Education and Professional Identities, Braga, 2014).
N.º 10/11: ARTE E LOUCURA / ART AND MADNESS / ART ET FOLIE [PT; FR; EN]
«Before his eyes appear’d, sad, noisome, dark,
A Lazar house it seem’d, wherein were laid
Numbers of all diseas’d, all maladies
Of ghastly spasm, or racking torture, qualms
Of heartsick Agony, all feverous kinds,
Convulsions, Epilepsies, fierce Catarrhs,
Intestine stone and Ulcer, Colic pangs,
Daemonic Frenzy, moping Melancholy
And Moon-struck madness
(…)»
John Milton, «Paradise Lost»
CONVOCARTE 10-11 : ARTE E LOUCURA / ART AND MADNESS / ART ET FOLIE: PLANNING 2020 PT FR EN January Chamada Appel Call May, 31 Primeira proposta de trabalho (título, tema, CV) a enviar a (1) Première proposition de travail (titre, thème, cv) à envoyer à (1) Initial Proposal (title, subject, cv) to send to (1) Sept. 1st Envio do texto final a (1) Envoi du texte final à (1) Final draft sent to (1) SEPTEMBER PEER-REVIEW OCT-NOV Revisão do texto pelo autor segundo as sugestões dos revisores Révision du texte par l’auteur selon les suggestions des relecteurs Text with changes introduced by authors according to suggestions from peer reviews. NOVEMBER Design gráfico Maquettage Editing DECEMBER última revisão do texto paginado pelo autor dernière relecture du texte mis en page par l’auteur Final proof-reading of the edited text by the author JANV 2021 lançamento sortie launch (1) : convocarte@belasartes.ulisboa.pt
Arte e Loucura [PT]
«A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio» (Fernando Pessoa)
Com base na noção de poder instrumental da razão, trabalhada pela teoria crítica da Escola de Frankfurt, Michel Foucault analisou o «asilo» como uma criação do Iluminismo do século XVIII. Com esta estratégia, as vozes de delírio, de êxtase ou arrebatamento (a mania grega), se teriam tornado meros objectos de estudo científico. A voz clínica passaria a ser a voz que entende, a da autoridade, enquanto a voz da mania se tornava a voz doente, uma voz reificada, um objecto sem autoridade. Por isso, para Foucault, ela ficaria então ambiguamente entre a alçada da protecção e a do amordaçamento.
Curiosamente, esse século XVIII, de autonomia da razão e do enclausuramento da loucura, foi o mesmo da autonomia da arte. Seria nesta esfera autónoma da arte que o desvio à normalidade podia, por vezes, fintar a razão e confundir-se com o excesso visionário do génio. O século XVIII criava um lugar (mundo ou campo) da arte e um lugar da loucura (o asilo), implicando-se na genealogia de juízos autoritários que passassem a decidir o que pertence ou não a cada um desses espaços.
Pensar hoje a questão da «loucura» é abordá-la por essas vicissitudes históricas da sua genealogia, repensada sobre as alterações que as últimas décadas efectivaram com novos modelos da clínica psiquiátrica e novas modalidades de entendimento e enquadramento das doenças e do seu sofrimento. A acompanhar este processo está a revistação possível das relações entre arte e loucura. Se há todo um antepassado pré-asilo (considerando as referidas teorias de Foucault) que aproxima a arte de processos míticos e extáticos, também encontramos recorrentemente na arte um lugar privilegiado de aproximação e até de fascínio pelas dimensões de extravasão da razão. As teorias do génio romântico tiveram a tentação de um abismo de desmedida perante a razão, o que levou a um interesse pelo inconsciente, desde a figuração de asilos e estados de êxtase ou demência (Goya), dos retratos de doenças psicológicas (Géricault) à visão de pesadelos (Füssli). Já no século XX, as estéticas do inconsciente, desde os inícios do fascínio da arte erudita pela art brut com a pintura naïf dos princípios deste século (os «primitivos modernos» de Wilhelm Uhde), como Séraphine Louis, passando por movimentos fascinados pelas manifestações que perturbavam à racionalidade, como Dada ou o surrealismo, até à art brut consagrada por Jean Dubuffet, muitas relações e cumplicidades se estabelecem entre a loucura e a arte.
Assim, tratar as questões da arte na loucura ou da loucura na arte implica com uma série de contextualizações e temporalidades que, de antemão, qualificam tanto a obra quanto o sujeito que a produz. A história dos conceitos que classificam a loucura na e para a arte refletem um enredo denso de entrecruzamentos partilhados e contrariados entre as ciências “psi” e as teorias ou práticas da arte. Ao falarmos em loucura, temos que ter em mente que abordamos práticas e discursos psiquiátricos, sociais, artísticos, religiosos e muitos outros, a depender do momento e das relações que estamos a tratar.
A compreensão e mesmo a classificação da loucura não se faz apenas através da instituição psiquiátrica. As suas diversas formas de apresentação surgem tanto socialmente quanto por métodos científicos. E, neste sentido, as intervenções nos campos das artes (seja pela prática artística, a teoria, a historiografia ou a crítica) são de suma importância para as classificações e conceituações da loucura.
A história da loucura, pensando nas práticas de institucionalização, é correspondente ao interesse da expressividade do sujeito louco, seja para o diagnóstico seja para a arte. Correlação esta que, antes, está presente na representação dos asilos pelo romantismo, ou seja, no reconhecimento de uma temática de interesse subjetivo para a produção artística. Este momento é coincidente com a ascensão do asilo enquanto espaço de reclusão dos indesejados e incapazes. Deste interesse emerge, sobretudo, a possibilidade de se pensar no corpo asilado como um sujeito, mesmo que desprovido de razão. Já na experimentação da loucura pela estética modernista – coincidente com a instituição dos regimes nosográficos, assim como, com a inauguração da psicanálise –, prevê-se mais do que conhecer a loucura, mas experimentá-la enquanto manifestação instintiva. Por outras palavras, o mergulho nas imagens provindas do inconsciente promove um olhar sobre a loucura que condiz com a vontade modernista de romper com a razão na arte. Contudo, como diz o médico português Sobral Cid, «não faz uma psicose esquizofrênica quem quer». Isso significa dizer que os modernistas experimentaram uma ideia de loucura, proporcionando um olhar sobre ela tanto na sociedade quanto nos salões de arte. Diversas coleções de desenhos e pinturas provindas de hospitais e outros espaços de asilamento surgem e, com isso, uma curiosidade sobre estes sujeitos e sobre as imagens herméticas produzidas por eles. Conceitos para qualificar as expressões dos sujeitos acometidos pela doença psíquica, pelo asilamento e pelo distanciamento dos conhecimentos de arte são criados: um novo momento que coincide tanto com os conceitualismos da arte contemporânea quanto com os processos de reconsideração do lugar da loucura na sociedade. Estes conceitos, iniciados pelos anos de 1940 com a art brut, são fundamentais para reconhecer uma espécie de argumento subjetivo nas expressões dos doentes mentais e, em consequência, para se formar em torno delas um espaço no mercado e no circuito expositivos das artes. Ou seja, as expressões dos doentes e asilados passam a ser vistas também como uma forma de arte, ainda que adjetivada, e não apenas como algo almejado e idealizado pelos artistas.
Esta linha generalizada serve tanto como um panorama quanto como uma problematização sobre a relação entre arte e loucura. Há diversas capturas da temática que fogem da linhagem mais convencional da historiografia da arte. Por isso, chamamos para este número artigos que busquem ampliar narrativas e pensamentos sobre este objeto. É com tais revisitações da loucura e das suas relações com a arte, através da abordagem do tema «Arte e Loucura», que se deseja que seja não só um modo de recuperar essa voz estigmatizada, de lhe fornecer espessura e dignidade social e existencial, como também de lidarmos com a sua profundidade e complexidade.
Para esta apresentação, o termo «loucura» é utilizado para dar conta de um conjunto de significados que narram uma multiplicidade de conteúdos entre o período que se estende de meados do século XIX aos dias de hoje. Ou seja, o termo “loucura” é sempre uma generalização, pois falar em loucura não é falar em doença mental, tal como falar em art brut não é falar em degeneração. Mas, sob as delicadezas em lidar com os seus estigmas, fica clara a importância e profundidade da questão da loucura, seja num âmbito mais particular, relativo ao sujeito ou noutro mais amplo e da cultura humana. Nesta pluralidade abrem-se várias possibilidades de trabalho, das quais adiantamos:
– Relações entre as teorias da arte e a loucura, patente nas teorias do génio, do dionisíaco, do inconsciente, etc.
– Modos de representação e incorporação da loucura na arte, como por exemplo as representações de asilos de Goya, a série Monomane de Géricault (série de retratos de doentes mentais, projetados para dez, mas que só chegariam a ser feitos metade) ou O Louco da fase azul de Picasso.
– A relação de artistas marcantes da história da artes com a loucura, como Ludwig Kirchner, Van Gogh ou Mário Eloy, reflectindo as confluências e intersecções entre o drama pessoal e a criação artística
– Temporalidade: quais momentos fazem aparecer o interesse de artistas, médicos e teóricos pelas questões ou pela imagem da loucura? Quais narrativas surgem em cada momento ou processo histórico?
– Teoria, filosofia e estética. Como o tema da arte e da loucura repercutiu em argumentos e teorias a partir do pensamento filosófico?
– O mercado das artes. Quais as estratégias e técnicas de captura das expressões da loucura para o mercado da arte?
– Psiquiatria, arte e loucura. De que modo a história dos conceitos psiquiátricos, as nosografias e as suas problemáticas, corroboram ou contradizem os conceitos de arte sobre a estética da loucura? Debate entre autores e teorias psiquiátricas sobre a temática. De que modo as expressões da loucura corroboraram para fundamentar conceitos e práticas psiquiátricas.
– Existe uma estética da loucura? Dos pontos centrais que emergem da relação entre arte e loucura está a questão da existência ou não de uma forma inerente ao pensamento «esquizo», ou seja, os sujeitos acometidos por doença psíquica possuem um modo particularizado de expressar-se?
– Psicanálise, arte e loucura. O lugar da psicanálise na história da relação entre arte e loucura. De que modo os fundamentos psicanalíticos contribuem para a imagem psíquica da loucura e, por ventura, para as suas expressões? Autores, teorias e debates.
– História dos conceitos: a art brut, a outsider art, arte singular, arte incomum, imagens do inconsciente e outros conceitos.
– Estudos de caso. Histórias de artistas, análises de obras atuais ou passados.
Fito-me frente a frente
E conheço quem sou.
Estou louco, é evidente,
Mas que louco é que estou?
É por ser mais poeta
Que gente que sou louco?
Ou é por ter completa
A noção de ser pouco?
Não sei, mas sinto morto
O ser vivo que tenho.
Nasci como um aborto,
Salvo a hora e o tamanho.
(Fernando Pessoa)
Art et folie [FR]
«La folie, loin d’être une anomalie, est la condition normale de l’homme. L’ignorer sans qu’elle soit grande, c’est être un homme normal. L’ignorer alors qu’elle est grande, c’est être fou. En être conscient alors qu’elle est petite, c’est être déçu. En être conscient et qu’elle soit grande, c’est être un génie». (Fernando Pessoa)
En partant de la notion de pouvoir instrumental de la raison développée par l’École de Francfort, Michel Foucault fit de l’“asile” une création du XVIIIè siècle des Lumières. Dans leur démarche éclairée en effet, les voix du délire, de l’extase ou de la fureur (le grec μανία) se voyaient transformer en simples objets d’étude scientifique. La voix clinique devenait alors la voix qui comprend, la voix de l’autorité, tandis que la voix de la folie était celle de la maladie, une voix réifiée, un objet dépourvu d’autorité. Dès lors, pour Foucault, cette dernière en appelait de façon ambivalente à un mandat tiraillé entre protection et contrainte.
Étonnamment, ce même XVIIIè siècle, celui de l’autonomie de la raison et du confinement de la folie, fut le témoin de l’autonomisation de l’art. Ce n’est qu’à l’intérieur de la sphère d’un art autonome, qu’à l’occasion, un dévoiement par rapport à la norme pouvait délaisser la raison et s’abîmer dans les excès visionnaires du génie. Le XVIIIè siècle créa un lieu (univers ou champ) pour l’art et un autre pour la folie (asile), et tous deux se retrouvent dans l’histoire des jugements d’autorité chargés de décider ce qui appartient à l’un ou à l’autre.
Réfléchir sur la question de la “folie” aujourd’hui suppose de l’approcher à travers ces vicissitudes historiques et cette généalogie, à la lumière des changements opérés ces dernières décennies par l’irruption de nouveaux modèles de pratique psychiatrique et les nouvelles modalités de compréhension et de classification des maladies et de leurs souffrances. Ce processus s’accompagne sans doute de la possibilité de revisiter la relation entre art et folie. Alors qu’il y a (selon la théorie foucaldienne) toute une histoire antérieure aux asiles associant l’art à des procédés mythiques ou extatiques, on retrouve aussi régulièrement tout un pan de l’art particulièrement attaché, voire fasciné, par l’idée d’outrepasser la raison. Les théories du génie romantique furent tentées par l’abîme de l’insondable faisant face à la raison, ce qui les mena à s’intéresser à l’inconscient, de la représentation des asiles et des états de démence et d’extase (Goya), jusqu’aux portraits de la maladie psychologique (Géricault) ou des cauchemars (Füssli). En passant au XXè siècle et aux esthétiques de l’inconscient – depuis la fascination première de l’art érudit pour l’art brut dans la peinture naïve du début du siècle dernier telle Séraphine Louis (ceux que Wilhem Uhde appelait les “primitifs modernes”), jusqu’aux mouvements fascinés par les manifestations qui perturbent la rationalité, tels Dada ou le Surréalisme, en passant par la célébration de l’art brut par Jean Dubuffet – notons comme nombre de relations et de complicités ont été élucidées entre l’art et la folie.
Ainsi, traiter de la présence de l’art dans la folie ou de la folie dans l’art, implique-t-il de considérer un panel de cadres et de temporalités qui qualifient d’avance l’œuvre tout comme le sujet qui la crée. L’histoire des concepts que l’art utilisa pour catégoriser la folie, illustre l’enchevêtrement compact des zones aussi partagées que disputées entre les sciences “psy” et la théorie et la pratique de l’art. En faisant référence à la folie, nous devons garder à l’esprit que nous recourons à une variété de discours – psychiatrique, social, religieux, etc – qui dépendent des circonstances et des types mêmes de relations que nous cherchons à aborder.
L’étude de la classification de la folie n’est pas le domaine exclusif de l’institution psychiatrique. Ses divers modes de présentation apparaissent dans le tissu social autant qu’au travers des méthodes scientifiques. Partant, les interventions dans le domaine de l’art (que ce soit à travers la pratique artistique, la théorie, l’historiographie ou la critique) seront particulièrement pertinentes eu égard au développement des classifications et des conceptualisations de la folie.
L’histoire de la folie, considérée à la lumière des pratiques institutionnelles, se déploie en parallèle de l’intérêt porté à l’expressivité du sujet fou, à des fins tant diagnostiques qu’artistiques. Cette corrélation se trouve d’abord dans la représentation romantique des asiles, ou plutôt dans la reconnaissance d’un thème porteur d’un intérêt subjectif pour la production artistique. Ce moment coïncide avec l’émergence de l’asile comme espace de confinement pour les parias et les invalides. Cet intérêt donne surtout naissance à la possibilité de considérer le corps confiné comme un sujet, si dépourvu de raison soit-il. L’expérimentation de la folie, déjà présente dans l’esthétique moderniste – coïncidant avec l’institution de la nosographie et avec l’inauguration de la psychanalyse – cherche à vivre la folie comme une manifestation instinctive, bien plus qu’à la comprendre. En d’autres termes, la plongée dans les images qui surgissent de l’inconscient fournit une vision de la folie qui s’accorde bien avec l’intention moderniste de l’art d’en finir avec la raison. Cependant, comme le médecin portugais Sobral Cid l’observe : “La psychose schizophrénique n’est pas quelque chose que l’on peut vouloir”. Cela signifie que les modernistes n’ont expérimenté qu’une certaine idée de la folie, n’en montrant qu’un aspect, tant à la société que dans leurs salons. Des collections diverses de dessins et de peintures rassemblées dans les hôpitaux et les asiles naissent et avec elles, une curiosité pour les sujets et les images hermétiques qu’ils produisent. Des concepts sont créés pour qualifier les formes d’expression de sujets atteints de maladie mentale, confinés dans des asiles et ignorants de tout savoir artistique – il s’agit là d’un nouveau moment coïncidant d’une part avec l’édification des systèmes conceptuels de l’art contemporain, et d’autre part avec les réévaluations de la place de la folie dans la société. Ces concepts, introduits par l’art brut des années 1940, sont essentiels pour la reconnaissance d’une sorte de raisonnement subjectif inscrite dans les formes d’expression des patients déficients mentaux et, par conséquent, pour l’ouverture d’un espace dédié dans le marché de l’art et le circuit des galeries. En somme, les formes d’expression des gens souffrant de maladie mentale et d’isolement dans les asiles sont à présent elles-mêmes vues comme une forme d’art, très spécifique, et pas seulement comme quelque chose répondant aux ambitions et aux idéaux des artistes.
Ce numéro de la revue veut offrir autant un aperçu qu’une perspective critique sur la relation entre art et folie. Certaines approches thématiques échappent à la ligne conventionnelle de l’historiographie de l’art. Nous appelons à des essais qui cherchent à accroître les connaissances et les réflexions sur ce sujet. Ces revisitations de la folie et de sa relation avec l’art, telles qu’elles peuvent être cernées dans le thème « art et folie », sont à comprendre non seulement comme moyen de recouvrer cette voix stigmatisée, de lui conférer une densité et une dignité existentielle et sociale, mais aussi de traiter de sa profondeur et de sa complexité.
Dans cette présentation, le terme “folie” est utilisé pour couvrir toute la variété des significations concernant une multitude de contenus piochés sur une période s’étendant de la moitié du XIXè siècle jusqu’à aujourd’hui. En d’autres termes, le mot “folie” est toujours une généralisation, puisque la folie n’est pas équivalente à la maladie mentale, tout comme parler de l’art brut n’est pas la même chose que parler de dégénérescence. Cependant, derrière les nuances nécessaires à l’évocation de ses symptômes, la pertinence et la complexité de la question de la folie sont évidentes, ne serait-ce que pour essayer d’en faire le tour, ou plus largement dans ses rapports avec la culture humaine. Une telle pluralité permet des questionnements variés, parmi lesquels nous pourrions proposer :
– Relations entre les théories de l’art et la folie, telles qu’on peut les trouver dans la théorie du génie, ou les concepts du dionysiaque, de l’inconscient, etc.
– Modes de représentation et d’incorporation de la folie en art, comme par exemple dans les représentations des asiles psychiatriques de Goya, la série des Monomanes de Géricault, ou le Fou du Picasso de la période bleue.
– La relation entre la folie et les artistes célèbres, par exemple Ludwig Kirchner, Van Gogh ou Mário Eloy, en tentant d’analyser les points de rencontre entre le drame personnel et la création artistique.
– Théorie, philosophie et esthétique. Comment le thème “art et folie” a-t-il été réfléchi dans les débats et les théories de la pensée philosophique ?
– Psychiatrie, art et folie. Comment l’histoire des concepts psychiatriques, de ses nosographies et ses problématiques, corrobore-t-elle ou contredit-elle les concepts artistiques appliqués à l’esthétique de la folie ? Débats entre les auteurs et les théories psychiatriques sur ce thème. Le rôle joué par les formes d’expression de la folie dans l’étayage de la théorie et de la pratique psychiatriques.
– Y a-t-il une esthétique de la folie ? Parmi les points nodaux de la relation entre art et folie, se trouve la question de l’existence ou de l’absence d’une forme propre de pensée “schizoïde”; en d’autres termes, les sujets affligés d’une maladie psychiatrique possèdent-ils des moyens d’expression particuliers ?
– Psychanalyse, art et folie. La place de la psychanalyse dans l’histoire des relations entre art et folie. Dans quelle mesure les préceptes psychanalytiques contribuent-ils à former l’image psychique de la folie, et finalement, à ses formes d’expression. Auteurs, théories, débats.
– Histoire des concepts: art brut, outsider art, raw art, images de l’inconscient et autres notions.
– Études de cas. Histoires d’artistes, analyses d’œuvres présentes et passées.
Je me regarde en face
Et je sais qui je suis.
Je suis fou, bien sûr,
Mais quel fou suis-je ?
C’est parce que je suis plus poète
que quiconque, que je suis fou?
Ou est-ce pour avoir accepté
L’idée d’être petit ?
Je ne sais pas, mais je sens mort
L’être vivant à l’intérieur de moi.
Je suis né avorté,
Hormis pour le temps et la taille.
(Fernando Pessoa)
Art and Madness [ENG]
«Madness, far from being an anomaly, is the normal human condition. Being unaware of it and it being slight, is to be a normal man. Being unaware of it and it being ample, is to be mad. To be aware of it and it being slight, is to be disillusioned. To be aware of it and it being ample, is to be a genius». (Fernando Pessoa)
Based on the notion of an instrumental power of reason developed by the Frankfurt School of critical theory, Michel Foucault studied the “asylum” as a creation of 18th century enlightenment. Following this strategy, the voices of delirium, ecstasy or rapture (the Greek mania) would be turned into mere objects of scientific study. The clinical voice would henceforth become the voice that understands, the voice of authority, while the voice of mania became the voice of malady, a reified voice, an object deprived of authority. Thus, for Foucault, the latter would then fall ambiguously between the remit of protection and of restraint.
Interestingly, that same 18th century of autonomous reason and the confinement of madness was the same that witnessed the autonomy of art. It would be within this sphere of an autonomous art that deviation from normality could occasionally elude reason and become confused with the visionary excesses of genius, The 18th century crated a place (universe or field) for art and a place for madness (asylum), implicated in the genealogy of authoritarian judgements responsible for deciding what belonged into each of these spaces.
Reflecting on the issue of «madness» today implies approaching it through those historical vicissitudes and genealogy, reconsidered in the light of shifts operated in the last decades by new models of psychiatric practice and new modalities of understanding and framing of the illnesses and their suffering. This process may be followed by the possibility of revisiting the relationship between art and madness. While there is a whole pre-asylum history (considering Foucault’s theories) approximating art to mythical and ecstatic processes, we also recurrently find in art a privileged domain of proximity, and even fascination, with the dimensions of surpassing reason. The theories of the romantic genius were tempted by an abyss of the unfathomable in the face of reason, leading to an interest in the unconscious, from the representation of asylums and states of ecstasy and dementia (Goya), to the portrayal of psychological illness (Gericault) and nightmares (Füsili). Moving into the 20th century, the aesthetics of the unconscious, from the initial fascination of erudite art with art brut in naïf painting from the beginning of the past century (Wilhem Uhde’s “modern primitives”) such as Séraphine Louis, to movements fascinated with manifestations that disturbed rationality, such as the Dada and Surrealist movements, all the way through to Jean Dubuffet’s celebration of art brut, many relations and complicities have been developed between art and madness.
Thus, to address the presence of art in madness or madness in art involves considering a variety of frameworks and temporalities which in advance qualify the work as much as the subject who produces it. The history of the concepts that classify madness in and for art, reflect a dense entanglement of both shared and resisted intersections between the “psi” sciences and art practice and theory. When we refer to madness, we must bear in mind that we are dealing with a variety of discourses – psychiatric, social, religious, etc. – depending on the circumstance and the kinds of relations we are aiming to address.
The study even classification of madness is not the exclusive domain of the psychiatric institution. Its diverse forms of presentation emerge as much socially as through scientific methods. Thus, interventions in the field of art (whether through artistic practice, theory, historiography or criticism) are crucially relevant towards developing classifications and conceptualizations of madness.
The history of madness, considered in the light of institutionalization practices, is paralleled by an interest in the expressivity of the insane subject, both for the diagnosis as for the art. A correlation that is first found in romanticism’s representation of asylums, or rather, in the recognition of a theme carrying a subjective interest for artistic production. This moment is coincident with the emergence of the asylum as a space of confinement for the outcasts and the incapacitated. This interest gives rise, above all, to the possibility of viewing the confined body as a subject, albeit deprived of reason. The experimentation of madness, already present in the modernist aesthetic – coincident with the institution of nosographic regimes as well as with the inauguration of psychoanalysis –more than to understand insanity, expects to experience it as an instinctive manifestation. In other words, diving into the images that arise from the unconscious, promotes a view of insanity that agrees with the modernist intention to break with reason in art. However, as the Portuguese medical doctor Sobral Cid observes, “Schizophrenic psychosis is not something that can be willed”. This means that the modernists experimented with a certain idea of madness, displaying a view of it, both to society and the art salons. Various collections of drawings and paintings gathered from hospitals and other asylum institutions emerge and, with them, a curiosity for the subjects and the hermetic images produced by them. Concepts are created to qualify the forms of expression of subjects afflicted by psychic illness, asylum confinement and ignorant of artistic knowledge – a new moment coinciding both with the conceptual systems of contemporary art as with the reappraisals of insanity’s place in society. These concepts, initiated in the 1940s with art brut, are essential towards acknowledging a kind of subjective argument in the forms of expression of mental patients and, consequently, to open around them a space in the market and exhibition circuit of art. In sum, the forms of expression of people suffering from mental illness and asylum confinement are themselves now viewed as a form of art, albeit adjectivized, and not just as something to be ambitioned or idealized by artists.
This generalized theme provides as much an overview as a critical perspective on the relation between art and madness. There are several thematic approaches that escape the more conventional line of art historiography, Therefore, we have called for essays that seek to amplify narratives and reflections on this subject. Such revisitations of madness and its relation with art, such as may be encompassed by the theme ‘Art and Madness’ are intended not only as a means of recovering that stigmatized voice; to confer density and social and existential dignity to it, but also of dealing with its depth and complexity.
In this presentation, the term “madness” is used to cover the variety of meanings that narrate a multitude of contents found in the period extending from the mid-19th century to the present. In other words, the term “madness” is always a generalization, since to speak of madness is not tantamount to mental illness, just as speaking of art brut is not the same as speaking of degeneration. Still, underlying the nuances implied in dealing with its stigmas, the relevance and intricacy surrounding the issue of madness is clear, whether circumscribed in scope to its subjects, or more widely considered in relation to human culture. Such plurality allows for varied possibilities of inquiry, amongst which we advance the following:
-Relations between the theories of art and madness, found in the theories of genius or the concepts of the Dionysian, the unconscious, etc.
-Modes of representation and incorporation of madness in art, as for instance Goya’s representations of mental asylums, Gericault’s series Monomane (a series of portraits of mental patients, initially intended as a group of ten, out of which only half would be completed), or Picasso’s El Loco from the blue period.
-the relation between celebrated artists and madness, such as Ludwig Kirchner, Van Gogh or Mário Eloy, reflecting the intersections between the features of personal drama and artistic creation.
– Theory, philosophy and aesthetics. How the theme of art and madness was reflected in the arguments and theories of philosophical thought.
– Psychiatry, art and madness. How the history of psychiatric concepts, its nosographies and problematics corroborate or contradict the concepts of art on the aesthetics of madness. Debate among authors and psychiatric theories on the theme. The role played by forms of expression of madness in supporting psychiatric concepts and practice.
-Is there an aesthetic of madness? Among the central points emerging from the relation between art and madness, we find the question of the existence or absence of an inherent form of “schizoid” thought; in other words, do the subjects afflicted by psychiatric illness possess a particular way of expressing themselves?
– Psychanalysis, art and madness. The place of psychanalysis in the history of the relationship between art and madness. In what way do psychanalytical precepts contribute towards the psychic image of madness, and ultimately, towards its forms of expression. Authors, theories and debates.
– History of concepts: art brut, raw art, outsider art, images of the unconscious and other notions.
– Case studies. Artist Histories, analyses of current or past works.
I regard myself face to face
And I know who I am
I am mad, obviously,
But what mad am I?
Is it being more of a poet
Than person that I am mad?
Or is it my complete
notion of being so little?
I do not know, but I feel dead
The living being in me.
I was born as an abortion
Except for the time and the size.
(Fernando Pessoa)
A Coordenação Científica Geral — Fernando Rosa Dias
A Coordenação Científica do Dossier Temático «Arte e Loucura» — Stefanie Franco
Tradução para inglês: Diogo Freitas
Tradução para francês: Pascal Krajewski
Stefanie Gil Franco é membro integrada do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Em 2014 foi contemplada com a bolsa de doutorado pleno no exterior da CAPES/Brasil, doutorando-se em História da Arte, no mesmo instituto em que está integrada, com a tese: “Os imperativos da arte: encontros com a loucura em Portugal do século XX”. Tem formação em Ciências Sociais (FESPSP), onde iniciou as pesquisas relacionadas à arte e à loucura, dando origem ao mestrado em Antropologia Social (FFLCH-USP) sobre Arthur Bispo do Rosário. Possui como foco de interesse temas relacionados à institucionalização da loucura, as práticas nosográficas da psiquiatria, assim como a promoção da loucura como elemento discursivo no campo das artes. Em 2019 colaborou com a exposição Lusofolia da Treger Saint Sylvestre Collection e publicou o livro Almas Delirantes – Do Telhal à Rilhafolles, junto a Editora Douda Correria. Nos últimos meses tem trabalhado como investigadora no Banco de Arte Contemporânea – Graça Carmona e Costa, no tratamento de espólios documentais de artistas portugueses.
N.º 8/9 — ARTE E TEMPO / ART & TIME / ART ET TEMPS [pt; fr; en]
Christian Marclay, The Clock, 2010, video, 24 h
CONVOCARTE 8-9 : ARTE E TEMPO / ART AND TIME / ART ET TEMPS : PLANNING 2019 | |||
PT | FR | EN | |
Mars – 1st | Chamada | Appel | Call |
July 1st | Primeira proposta de trabalho (título, tema, CV) a enviar a (1) | Première proposition de travail (titre, thème, cv) à envoyer à (1) | First Proposal (title, subject, cv) to send to (1) |
Sept. 1st | Envio do texto final a (1) | Envoi du texte final à (1) | Final text sent to (1) |
SEPTEMBER | PEER-REVIEW | ||
OCT-NOV | Revisão do texto pelo autor segundo as sugestões dos revisores | Révision du texte par l’auteur selon les suggestions des relecteurs | Text’s révision by the author knowing the remarks of the reviewers |
NOVEMBER | Design gráfico | Maquettage | Editing |
DECEMBER | última revisão do texto paginado pelo autor | dernière relecture du texte mis en page par l’auteur | last reading of the edited text by the author |
JANV 2020 | lançamento | sortie | coming out |
(1) : convocarte@belasartes.ulisboa.pt |
ARTE E TEMPO
« Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei».
(Santo Agostinho, Confissões, Santo Agostinho, Confissões, Livro XI)
Nesta famosa frase de Santo Agostinho verificamos que o Tempo é uma das dimensões da vida, tão próxima de nós que se torna de difícil caracterização. A sua amplitude e significância resultam da multiplicidade e das formas em que se manifesta. Podemos estar antes do tempo, depois do tempo, no timing correto. Podemos igualmente viver no presente, no passado e no futuro. Isso dita o nosso estado de espírito, que será de paz, depressão ou ansiedade, respetivamente. Podemos também atuar no tempo passado, presente ou futuro. Por vezes, o tempo passa depressa, e, em outros casos, devagar. Esta diferença é inerente ao ser humano.
O tempo habita-se a partir da linguagem, sendo a verbalização uma constante sinalização do tempo. Os tempos verbais, a partir da forte estrutura de passado, presente e futuro, desdobram-se em diferentes temporalidade e nuances. Ao falarmos, estamos constantemente no tempo. O tempo diz-se e mede-se de muitos modos. Pode ser medido em anos, dias, horas, minutos. Mas pode também ser dividido em eras, épocas, séculos, décadas. E pode ser testemunhado através do acompanhamento dos astros—como os ciclos do sol e da lua—, mas também olhando os ritmos da natureza, que incluem a mudança de cores e de cheiros. As estações do ano medem o tempo pelos ritmos da paisagem e da nossa relação com ela. Ou pelos tempos humanos de trabalho, escola, ou de oração e tradições. O tempo pode também ser medido mecanicamente pelo relógio, objeto com história própria, mas cuja chegada autonomizou a dimensão humana do tempo, o abstraiu da natureza e o tornou domínio do humano. Há quem considere que a Era Moderna teve início com a invenção do relógio mecânico. Há ainda o tempo instantâneo da luz, ou o longo dos astros que se medem em anos-luz, que estão aquém e além da vivência humana, tempos esses que já não habitamos.
A única certeza que temos é que a sua relatividade é constante e depende da forma como e para que fins o consideramos. Culturalmente, o tempo tem diferentes dimensões. Sem prejuízo da globalidade do calendário Gregoriano que rege as nossas vidas, existem outros calendários que igualmente medem o tempo no mundo: o Chinês, o Tailandês, o Judeu, o Muçulmano, o Balinês, o Maia, para citar alguns. Cada um está associado ao modo como uma sociedade se relaciona consigo própria. E daqui resultam diferentes formas de expressão dessa relação com o mundo. O tempo torna-se uma questão de forte densidade humana e cultural, com reflexos inevitáveis nos grandes campos da religião, da filosofia ou da arte.
Os gregos tinham várias dimensões de tempo, destacando-se chrónos, kairós e aiôn. Chrónos é o tempo sucessivo e uniforme disponível para a História. Mas chrónos pode ser espacializado, entre um tempo cíclico ou um tempo linear. Kairós é o tempo do momento que faz história, que funda na sua unicidade pontual, sendo tempo de decisões, bifurcado nas escolhas que exige. Aiôn é o tempo do sentido da História, podendo ser o tempo de uma dimensão ampla de experiência e memória, que sintetiza camadas de palimpsestos, como de expectativas. Um tempo onde a vida se dobre como eternidade num período que nele se caracteriza, um tempo para lá da ação e que conjuga ações como uma «idade» definida, como também um tempo de eternidade que «é» e não está em devir, imóvel num «sempre», um tempo do «Ser». Na Índia, além do tempo kâla, há o tempo áyus que é um ciclo de tempo vivido que define uma totalidade própria, ou o instante kshana, que faz uma articulação com o intemporal, em tempos conjugados entre si. Na China, o tempo flui numa interação entre yin e yang, num fluxo de simultaneidade descontínua. Em vez da eternidade imóvel e sempre idêntica, a China pensa um tempo «sem fim». Ou ainda ao tempo dos sonhos dos aborígenes australianos, um tempo mítico e fundador que inscreve o nosso passado e o nosso futuro.
A filosofia ocidental sempre pensou o tempo, desde nomes como Zenão de Eleia, Parménides, Aristóteles ou Santo Agostinho. Mas a filosofia contemporânea deixou praticamente de conseguir pensar sem se confrontar com a questão do tempo, desde o instante trágico dionisíaco (Nietzsche), no Dasein do ser-aí em existência (Heidegger) ou no fluxo contínuo e descontínuo do rizoma (Deleuze e Guattari). Também temos o tempo dialético e revolucionário, do espírito (Hegel) ou das tensões sociais (Marx), ou o tempo pontual e de redenção (Walter Benjamin), que absorve iluminações de anteriores tempos perdidos na história que emergem em salto dialético. Há ainda o tempo acelerado e poluidor do espaço e da experiência, no conceito de dromologia de Paul Virilio—ou ainda as várias teorias sobre o tempo de Henri Bergson, Bachelard, Agamben, entre muitos outros.
Posto isto, temos que na arte o tempo adquire uma dimensão importante. Os artistas atuam sempre no seu tempo. Mas a sua obra pode reportar-se ao passado, que procuram citar, ou agir no presente, anunciando uma nova era. A arte tem-se mostrado indissociável do momento em que se cria (o tempo de produção ou da poiesis) ou em que é criada, seja esse tempo real ou fictício, intrínseco ou extrínseco ao artista e ao seu público. Pode revelar o que se passa no momento da criação e da receção, pode propor-se projetar um futuro diferente (este aspeto é particularmente importante para as vanguardas artísticas), ou manifestar aspetos do passado coletivo ou individual, celebrando-os.
A compreensão desta multiplicidade de expressão cultural do tempo na arte faz-se maioritariamente através da história de arte ou da antropologia da arte (aqui, deliberadamente reportamo-nos à divisão reinante entre arte Ocidental e arte não-Ocidental), mas com contributos naturais da filosofia.
Perante esta amplitude e variação do tempo nas culturas humanas, percebe-se o interesse em convocar a sua vastidão e profundidade histórica, filosófica, social, artística e cultural, é agora chamado para a nova revista da Convocarte. Algumas propostas podem surgir:
- Os tempos da arte na história, com as narrativas da própria história da arte, que incluem processos de continuidade (o respeito pelo mestre e pelos cânones) e de aceleração (a arte moderna) e descontinuidade (caso das revoluções, como as vanguardas). Como organizamos esses grandes ciclos de um artista, de um movimento artístico ou de um tempo cultural? E como medimos os processos de mudança, dos mais lentos e em surdina, aos mais escandalosos e de rutura?
- Os tempos das narrativas incorporadas, desde o desejo de eternidade, como em vários exemplos da arte tumular, ao mergulho na captação do quotidiano.
- Os tempos dos modos narrativos colocados em imagem, a partir dos conteúdos iconográficos às suas resoluções formais, como o tempo imóvel e hierático de várias tradições artísticas cultuais, ao tempo narrativo e histórico de artes mais próximas do quotidiano. E podem problematizar-se os problemas de estruturação de uma narrativa, de colocação de diferentes tempos numa mesma imagem ou a fragmentação em diferentes e sucessivas imagens, como no funcionamento de um políptico, ou o tempo contínuo do cinema e do vídeo.
- Daqui os tempos que compõem formal e estruturalmente uma obra de arte: por exemplo contrapondo a sua imobilidade, à sua dinâmica; a sua unidade estável ou a sua fragmentação e sucessão; a sua simetria e equilíbrio, ou a sua dinâmica, ritmo ou assimetria.
- Os tempos da poiesis e da téchne, dos processos produtivos e criativos da arte, que por vezes estruturam a imagem, com a captação de diferentes tempos do olhar. Temos uma poesis lenta, etérea, manual, digital, etc. E podemos questionar quais são as preocupações epistemológicas destas diferenças?
- Em sequência pode pensar-se um tempo taxonómico da arte: qual a diferença temporal entre o momento da criação e a sua introdução na disciplina e no museu? E de que forma este tempo condiciona o progresso da arte das minorias (exs. LGBTQ, mulheres, minorias étnicas ou raciais, cidadãos de segunda classe dentro de uma sociedade), que demoram mais a ser reconhecidas?
- Os tempos de receção da obra de arte, ou um tempo de validade da arte e a relação íntima desta validação com o público, o crítico, a galeria ou o museu, tendendo às teorias da receção, que preocupou nomes como Francastel ou Jauss. Qual o impacto das galerias, dos centros culturais e dos museus na forma como a arte é recebida e considerada?
- Há ainda o tempo dos próprios discursos, das ciências que abordam os problemas da arte da cultura, como da história da arte, que vai reformulando teorias e metodologias e (re)abilitando nomes e tempos culturais. A história, e as ciências sociais ou humanísticas em geral, enquanto ciências não constituem um mero acumular de informação, mas são um lugar de tensões que regularmente se reavaliam. Igualmente, tem-se as instituições, nomeadamente as culturais, que se adaptam, (re)organizam e (re)definem os lugares de afirmação artística que vão surgindo ao longo do tempo. Neste sentido, há uma temporalidade que atravessa as ciências e as instituições.
ART & TIME
“What is, after all, time? Who can explain it clearly and briefly? Who can apprehend it, even if only with the thought, to then translate through words their concept? And which thematic is more familiar and more spoken of in our conversations than time? When we speak of time, we understand what we say. We equally understand what we are told when someone talks to us about time. So, what is, in fact, time? If nobody asks me, I know; if I want to explain it to my interrogator, I already don’t know.”
(Saint Agostini, Confessions, Book XI)
In this famous sentence by Saint Agostini we verify that Time is one of life’s dimensions, so close to us that it becomes of difficult characterization. Its amplitude and significance result from its multiplicity and from the forms in which time manifests itself. We can be before time, after time, in the right timing. We can equally live in the present moment, on the past or in the future. That living situation dictates our state of spirit, which will be of peace, depression or anxiety, respectively. We can equally act in the past, present or future. Sometimes, time flies, and in other occasions, it runs slow. This difference is inherent to the human being.
Time is inhabited from language, verbalization is a constant signalization of time. Verbal tenses, which are strongly structured between past, present and future organize themselves in different temporalities and nuances. When we speak, we are constantly on time. Time is said and measured in multiple ways. It can be measured in years, days, hours, minutes. But it can equally be divided in eras, époques, centuries, decades. And it can be testified by looking at the stars—events such as the cycle of sun and moon—, but also by observing the rhythms of nature, that include the change of colors and smells. The seasons of the year measure time through landscape change and our relation to it. Or the human time of work, school, pray and traditions. Time can be mechanically measured by the clock (an object with its own history), but which arrival has made the human dimension of time autonomous and has abstracted humanity from nature and transformed nature into human domain. There are those that consider that the Modern Era started with the invention of the mechanical watch. There is still the instant time of light, or the long-time span which is measured in light-years, which are below and beyond human life. These are times we do not inhabit.
The only certainty we have is that its relativity is constant and depends from the way and for which ends we consider it. Culturally, time has different dimensions. Without prejudice of the globality of the Gregorian calendar that rules our lives, there are many other calendars that equally measure time in the world: the Chinese, the Thai, the Jewish, the Muslim, the Balinese, the Maya, to name a few. Each one is associated to the way a society relates with itself. And from here result several forms of expression of that relationship with the world. Time becomes a question of strong human and cultural density, with inevitable reflections in the great fields of religion, philosophy or the arts.
The Greeks had various notions of time. From these, we enhance chrónos, kairós and aiôn. Chrónos is the successive and uniform time, available to history. But chrónos can be spatialized, between a cyclical and a linear time. Kairós is the time of the moment that makes history, that originates in its punctual oneness. It is a time of decisions, bifurcated in the choices it demands. Aiôn is the time of the sense of History, and it can be the time of a broad dimension of experience and memory, that synthetizes layers of palimpsests and expectations. A time where life bends as eternity in a period that is characterized in it. A time beyond action, and that conjugates actions as a defined ‘age’, like the time of eternity that ‘is’ and is not becoming, immobile in an ‘always’, a time of ‘Being’. In India, besides the time kâla, there is the time áyus. This is a cycle of lived time that defines a self-totality. Or the instant kshana, that articulates with the timeless, with interconnected times. In China, time flows through an interaction between yin and yang, in a flux of discontinued simultaneity. Instead of the immobile and always identical eternity, China thinks of the ‘never-ending’ time. Or even the time of the dreams of the Australian aboriginals, a mythical and foundational time where our past and future are inscribed.
Western philosophy has always thought about time, through names such as Zenon of Eladia, Parmenides, Aristoteles or Saint Agostini. But contemporary philosophy has almost become unable to think without confronting itself with the question of time, from the tragic Dionysiac instant (Nietzsche), in the Dasein of the being-there in existence (Heidegger), or in the continuous and discontinuous flux of rhizome (Deleuze e Guattari). We also have the dialectic and revolutionary time, time of the spirit (Hegel), time of the social tensions (Marx), or the instant time and of redemption (Walter Benjamin) which absorbs illuminations of former times lost in history and that emerge in a dialectic jump. There is also the accelerated and polluting time of space and experience, in the concept of dromology of Paul Virilio, or even the multiple theories about time by Henri Bergson, Bachelard, Agamben, among many others.
From here, we have that in art time acquires an important dimension. Artists always act in their time. But their oeuvre may report to the past, that they try to cite, or act in the present, announcing a new era. Art has shown itself as undissociated of the time in which it is created (the time of production or of the poesis) or in which it is created, be it that time real or fictitious, intrinsic or extrinsic to the artist and his public. It may reveal what happens in the moment of creation and reception, it may propose to project a different future (this aspect is particularly important for the avant-gardes), or manifest aspects of the past, collective or individual, celebrating them.
In art, the understanding of this multiplicity of cultural expressions in time is mostly made through art history or anthropology of art (here, we deliberately report to the reigning division between Western and non-Western art), but with natural contributions from philosophy.
In face of this amplitude and variation of time in human cultures, we understand the interest in calling its vast and historical, philosophical, social, artistic and cultural profundity for this theme call, for the upcoming volume of Convocarte. Some proposals may arise:
- Times of art in history, with the usual art historical narratives, that include process of continuity (the respect for the masters and for the canons), acceleration (modern art) and discontinuity (the case of revolutions, such as the avant-gardes). How do we organize those great cycles of an artist, of an artistic movement or of a cultural time? And how do we measure the processes of change, from the slow and in mute, to the most scandalous and of rupture?
- The times of incorporated narratives, from the desire for eternity (as in many examples of art for the death), to the immersion in the quotidian.
- The times of the narrative modes placed in image, from the iconographic contents to its formal resolutions, like the immobile and hieratic time of various artistic and cult traditions, to the narrative and historical time of the manifestation closer to the quotidian. And we may problematize the structural problems of a narrative, of the placement of different times in one same image, or the fragmentation in different and successive images, as in the functioning of a polyptych, or the continuous time of cinema and video.
- From here, the times that formally and structurally compound a work of art: for example, counterpoising its immobility and its dynamics; its stable unity or its fragmentation and succession; its symmetry and balance, or its dynamic, rhythm or asymmetry.
- The times of poiesis and of téchne, of the productive and creative processes of the art, that from time to time structure the image with the capture of different times of the gaze. We have a slow, ethereal, manual, digital, etc. poiesis. And can we question which are the epistemological preoccupations of such differences?
- We can think about a taxonomical time of art: what is the temporal difference between the moment of creation and its introduction in the discipline and the museum? And in what form this time difference conditions the progress of the art of minorities (ex. LGBTQ, women, ethnic or racial minorities, second class citizens within a society), that take longer to be recognized?
- The times of art reception, or a time of art’s validation and the intimacy of this validation with the public, the critic, the gallery or the museum, having in consideration theories of reception, that has preoccupied names including Francastel or Jauss. What is the impact of galleries, cultural centers and museums in the way art is received and considered?
- There is still the time of discourse, of sciences that tackle the problems of art and culture like art history, that reshapes theories and methodologies and (re)habilitates names and cultural times. History, social sciences and humanities in general, as sciences do not constitute a mere accumulating of information but are a place of tension that is regularly self-reevaluating. Equally, we have the institutions, namely the cultural ones, that adapt themselves, (re)organize and (re)define the places of artistic validation that occur throughout time. In this sense, there is a temporality that crosses sciences and institutions.
ART ET TEMPS
“Qu’est-ce donc que le temps ? Qui pourra l’expliquer clairement et en peu de mots ? Qui pourra, pour en parler convenablement, le saisir même par la pensée ? Cependant quel sujet plus connu, plus familier de nos conversations que le temps ? Nous le comprenons très bien quand nous en parlons ; nous comprenons de même ce que les autres nous en disent.
Qu’est-ce donc que le temps ? Si personne ne me le demande, je le sais ; si je cherche à l’expliquer à celui qui m’interroge, je ne le sais plus.”
(St Augustin, Confessions, Livre XI)
Dans ces lignes fameuses de St Augustin, nous entrevoyons le temps comme l’une des dimensions de la vie si proche de nous qu’elle en devient difficilement observable. L’ampleur de son sens provient de la multiplicité des formes dans lesquelles le temps se manifeste. Nous pouvons être en avance, en retard, à l’heure. Nous pouvons tout autant vivre le moment présent, que dans le passé, ou tourné vers le futur. Un tel choix de vie prédispose notre état d’esprit, qui sera en paix, déprimé ou anxieux, selon les cas. Nous pouvons également agir dans le passé, sur le présent ou pour le futur. Parfois le temps file, et parfois il se traîne. Ces différences sont propres à l’être humain.
Le temps est habité par la langue ; toute verbalisation produit une constante signalisation du temps. Les temps verbaux, fortement structurés entre le passé, le présent et le futur, s’organisent selon différentes nuances temporelles. Quand nous parlons, nous sommes toujours dans le temps. On parle et on mesure le temps de multiples façons. Il peut se mesurer en années, en journées, en heures, en minutes. Mais il peut aussi se diviser en ères, en époques, en siècles, en décennies. On peut en témoigner en regardant les étoiles – les événements stellaires tels que les cycles lunaire ou solaire – mais aussi en observant le rythme de la nature, incluant des changements de couleurs et d’odeurs. Les saisons de l’année donnent une mesure du temps à travers les changements de paysages et notre relation à eux. Ou encore le temps humain du travail, de l’école, de la prière et des traditions. Le temps peut être mesuré mécaniquement par l’horloge (objet ayant sa propre histoire) dont l’avènement a rendu autonome la dimension humaine du temps et a arraché l’humanité à la nature tout en soumettant la nature au règne de l’homme. Certains considèrent que l’ère moderne débuta avec l’invention de la montre mécanique. Il y a encore le temps instantané de la lumière ou cette durée longue mesurée en années-lumières, qui sont respectivement en deçà et au delà de l’échelle de l’homme. Il y a des temps que nous n’habitons pas…
La seule certitude que nous ayons est que sa relativité est constante et dépend de la façon et du but dans lesquels nous le considérons. Culturellement, le temps a différentes dimensions. Sans dénigrer le caractère global du calendrier grégorien qui régit nos vies, il y a bien d’autres calendriers qui mesurent également le temps dans le monde : pour n’en citer que quelques uns, le chinois, le thaï, le juif, le musulman, le balinais, le maya. Chacun d’entre eux renvoie à la manière par laquelle une société se relie à elle-même. Et de là dérivent différentes formes d’expression de cette relation au monde. La question du temps présente donc une forte dimension humaine et culturelle, aux inévitables répercussions dans les champs de la religion, de la philosophie, de l’art.
Les grecs possédaient diverses notions du temps. Nous pouvons en retenir trois que sont chrónos, kairós et aiôn. Chrónos est le temps successif et uniforme, disponible pour l’histoire. Mais chrónos peut aussi être spatialisé, entre un temps linéaire et un temps cyclique. Kairós est le temps du moment historique, qui s’origine dans son unicité ponctuelle. C’est un temps de décisions, bifurquant selon les choix qu’il impose. Aiôn est le temps du sens de l’histoire, et peut être le temps d’une portion élargie de l’expérience et de la mémoire, synthétisant diverses couches successives ou horizons d’attentes. Un temps où la vie se replie en une éternité qui la caractérise totalement, un temps au delà de l’action, et qui renvoie les actions à un “âge” révolu, comme ce temps de l’éternité qui ‘est’ et qui n’est pas en train d’advenir, immobile dans un “toujours”, un temps de “l’Etre”. En Inde, derrière le temps kâla, se tient le temps áyus : il s’agit d’un cycle du temps vécu qui définit une totalité autosuffisante. Ou bien l’instant kshana, qui s’articule avec l’atemporel et les temps interconnectés. En Chine, le temps coule à travers l’interaction du yin et du yang, dans un flux d’une simultanéité discontinue. Au lieu d’une éternité immobile et toujours identique à elle-même, la Chine pense le temps “jamais-finissant”. Et que penser du “temps des rêves” des aborigènes australiens, un temps mythique et fondateur où sont inscrits notre passé et notre futur ?
La philosophie occidentale s’est toujours affrontée à cette question du temps, comme l’attestent les noms de Zénon d’Elée, Parménide, Aristote ou Saint Augustin. Mais la philosophie contemporaine est presque devenue incapable de penser sans se confronter à la question du temps, depuis l’instant tragique dionysien (Nietzsche), jusqu’au Dasein de l’être-là de l’existence (Heidegger), en passant par le flux (dis)continu du rhizome (Deleuze et Guattari). Sans parler du temps dialectique et révolutionnaire, le temps de l’Esprit (Hegel), le temps des tensions sociales (Marx), ou le temps instantané de la rédemption (Benjamin) qui absorbe les illuminations des temps anciens semés dans l’histoire et les fait réémerger dans un saut dialectique. Il y a enfin le temps accéléré et pollué de l’espace et de l’expérience, telle que la dromologie de Virilio le conçoit, ou encore les multiples théories du temps de Bergson, Bachelard, Agamben, et bien d’autres.
Nous pouvons prolonger la réflexion en notant comme le temps acquiert une dimension impérieuse en art. Les artistes sont toujours de leur temps. Certes, leur œuvre peut se référer au passé (par citation) ou agir dans le présent, annonçant une ère nouvelle. L’art s’avère indissociable du temps de sa création (celui de la production ou de la poïésis) ou de celui de son contexte de création, qu’il s’agisse d’un temps fictif ou réel, intrinsèque ou extrinsèque à l’artiste et à son public. Il peut révéler ce qui se déroule au moment de la création ou à celui de la réception, il peut proposer un projet d’un futur différent (aspect particulièrement prégnant chez les avant-gardes) ou encore manifester et célébrer des aspects du passé, collectif ou individuel.
L’art s’est montré inséparable du moment où elle est créé (le temps de la production ou de la poésie) ou dans lequel elle est créé, En art, la compréhension de cette multiplicité d’expressions culturelles temporisées est largement déléguée aux études de l’histoire ou de l’anthropologie de l’art (nous conservons donc ici la division classique entre art occidental et non-occidental), sans oublier les contributions légitimes de la philosophie.
C’est pour ne pas oublier l’ampleur et les variations de la notion de temps selon les cultures humaines, que nous avons tenu à en rappeler la profondeur historique, philosophique, sociale, artistique et culturelle pour cet appel à contributions du prochain numéro de la revue Convocarte. Certaines propositions pourront émerger autour de :
– Le temps de l’art dans l’Histoire, conté à travers les récits habituels de l’histoire de l’art qui incluent des processus de continuité (respect des maîtres et des canons), d’accélération (art moderne) et de discontinuité (cas des révolutions telles que les avant-gardes). Comment temporisons-nous les grandes phases de l’œuvre d’un artiste, d’un mouvement artistique ou d’un temps culturel ? Et comment mesurons-nous les processus de changement, du plus lent et silencieux au plus tonitruant et disruptif ?
– Le temps des récits incarnés, celui des désirs d’éternité (comme dans tant d’exemples d’art mortuaire) jusqu’à celui de l’immersion du plus quotidien.
– Le temps des formes narratives mises en image, depuis les contenus iconographiques jusqu’à leur résolution formelle : du temps immobile et hiératique de diverses traditions artistiques et cultuelles, jusqu’au temps narratif et historique de la manifestation du quotidien. Nous pourrions ainsi élaborer les problèmes structurels du récit, de l’intrication de différents temps au sein d’une même image, ou de sa fragmentation en images différentes et successives, comme y recourent les polyptiques ou le temps continu du cinéma et de la vidéo.
– Dès lors, les temps qui fortifient formellement et structurellement une œuvre d’art : par exemple, en contrebalançant son immobilité et son dynamisme, sa stable unité ou sa fragmentation et succession, sa symétrie et son équilibre, ou sa dynamique, son rythme, son asymétrie.
– Les temps de la poïésis et de la téchné, ceux des processus créatifs et productifs de l’art, qui de temps en temps structurent l’image en captant des regards issus de différentes temporalités. Nous connaissons des poïésis lente, éthérée, manuelle, numérique, etc. Ne peut-on s’interroger sur les présupposés épistémologiques de ces différences ?
– Nous pouvons encore imaginer une taxonomie temporelle de l’art : quelle est la différence entre le moment de la création et l’introduction de l’œuvre dans une discipline ou un musée? Et de quelle manière cette différence temporelle conditionne-t-elle le progrès des arts des minorités (LGBT, femmes, minorités ethniques ou raciales, citoyens de seconde classe), sans cesse retardés dans leur reconnaissance ?
– Le temps de la réception artistique, c’est-à-dire celui de la validation artistique et de la reconnaissance de cette validation par le public, les critiques, la galerie ou le musée, en considérant les théories de la réception d’auteurs comme Francastel ou Jauss. Quel est l’impact des galeries, des centres culturels et des musées dans la manière dont l’art est reçu et considéré ?
– Il y a enfin le temps du discours, des sciences de l’art et de la culture (comme l’histoire de l’art), qui reformulent les théories et les méthodologies et réhabilitent les noms et les époques historiques. L’histoire, les sciences sociales et les humanités en général, en tant que sciences, ne constituent pas une simple accumulation d’informations, mais sont des lieux de tension qui se réévaluent régulièrement. De même, les institutions (ici culturelles) adaptent, (ré)organisent et (re)définissent les critères de la validation artistique au cours du temps. En ce sens, il y a bien une temporalité qui traverse les sciences et les institutions.
A Coordenação Científica Geral—Fernando Rosa Dias
A Coordenação Científica do Dossier Temático «Arte e Tempo»—Leonor Veiga
Co-coordenação (secção francesa)—Pascal Krajewski
Leonor Veiga holds a PhD in Art History from Leiden University (2018). Her dissertation, The Third Avant- Garde: Contemporary Art from Southeast Asia Recalling Tradition analyzes contemporary art practices from the region that recall and reprocess elements of traditional culture. The dissertation was supervised by Prof. Kitty Zijlmans and Prof. Dr. Pieter ter Keurs. Veiga’s curatorial projects (2006-11) include exhibitions in Indonesia, Mozambique, London, Macao and Lisbon. Her writing on the arts (2010-19) has mainly focused on Southeast Asian contemporary art. Essays published include “Movimento Kultura: Making Timor-Leste” in Routledge Handbook of Contemporary Timor-Leste (Routldege, 2019), “The Third Avant-garde: messages of discontent,” in Southeast of Now: Directions in Contemporary and Modern Art in Asia, vol. 1—n. 2 (NUS Press, October 2017); “Movimentu Kultura in Timor-Leste: Maria Madeira’s Agency,” in Cadernos Arte e Antropologia vol. 4—n. 1 (2015) and “Suddenly we arrived: polarities and paradoxes of Indonesian Contemporary Art”, in Indonesian Eye: Contemporary Art from Indonesia, SKIRA Editore, (2011).
Nº 6/7 — «ARS LUDENS» — ARTE, JOGO E LÚDICO [pt; fr; en]
CONVOCARTE 6-7 : ARS LUDENS : PLANNING 2018 | |||
PT | FR | EN | |
April – 1st | Chamada | Appel | Call |
July 1st | Primeira proposta de trabalho (título, tema, CV) a enviar a (1) | Première proposition de travail (titre, thème, cv) à envoyer à (1) | First Proposal (title, subject, cv) to send to (1) |
Sept. 1st | Envio do texto final a (1) | Envoi du texte final à (1) | Final text sent to (1) |
SEPTEMBER | PEER-REVIEW | ||
OCT-NOV | Revisão do texto pelo autor segundo as sugestões dos revisores | Révision du texte par l’auteur selon les suggestions des relecteurs | Text’s révision by the author knowing the remarks of the reviewers |
NOVEMBER | Design gráfico | Maquettage | Editing |
DECEMBER | última revisão do texto paginado pelo autor | dernière relecture du texte mis en page par l’auteur | last reading of the edited text by the author |
JANV 2019 | lançamento | sortie | coming out |
(1) : convocarte@belasartes.ulisboa.pt |
Ars Ludens – Arte, Jogo e Lúdico
« A comunicabilidade universal subjectiva do modo de representação num juízo de gosto (…) não pode ser outra coisa senão o estado de ânimo no jogo livre da faculdade da imaginação e do entendimento (…) ». Kant, Crítica da Faculdade do Juízo. Analítica do belo. §9
É uma questão tanto do jogo como da arte: nem uma nem outra pode ser facilmente reduzida a uma definição unânime nem perene, e ambos cobrem um vasto perímetro de objectos que não para de se expandir. Não seria surpreendente que eles conseguissem encontrar um terreno comum, de facto ou mesmo segundo a legalidade. Jogo e arte, não serão os dois desinteressados, recreativos, entre o sério e o fútil, reivindicando a sua inutilidade perante um mundo prosaico?
Foram muitos os pensadores que, em torno de um estudo ou no coração de um pensamento, iluminaram essa aproximação entre a arte e o jogo. Parece-nos que podemos discernir três vozes nessas discussões que tentam pronunciar-se sobre a arte como um jogo:
– aqueles que fazem da «fibra lúdica» do homem o caminho real para a atitude estética (Huizinga, Mauss), ou em sentido inverso, analisando a experiência estética como um comportamento lúdico, como um livre jogo das faculdades (Kant, Schiller).
– aqueles que reflectem sobre o poder criativo da obra no jogo enquanto se joga (Freud, Winnicott).
– finalmente, queles que examinam as características formais comuns à obra de arte e ao jogo: ritmo, harmonia, lugar, representação, mimesis (Mauss, Gadamer, Fink).
Ao fazê-lo, não terão eles revelado uma maneira de falar sobre o jogo como uma arte? Ao distinguir o eixo estético (da recepção) e o eixo poético (da criação), mediado por um objeto operatório e operacional (a obra).
Será indiferente e inócuo poder ler a arte como um jogo e o jogo como uma arte?
Para a maioria destes pensadores, o homem que joga está na infância da arte e a obra de arte é uma sublimação do jogo. Deveremos ver na arte o ideal de um jogo ao qual o homem adulto recorre quando se quer divertir «inteligentemente»? Ou será necessário entender que toda arte é sempre um jogo ou que qualquer jogo é já sempre arte? Poderemos ficar satisfeitos por identificar os poucos territórios comuns onde o mesmo objecto pode ser lido de maneira indiferente como um jogo ou como arte (em primeiro lugar, dança, música, teatro, teatro de improvisação)? Ou esforçamo-nos por fixar o retrato de uma determinada forma de arte que joga, que se joga (de outros, de si mesma, da arte), sejam quais forem as disciplinas a que está vinculado?
A separação, que parece clara, entre o jogo e a arte que prevalece nas sociedades ocidentais, não deverá ser reexaminada, ao olhar das mais práticas antigas, das mais arcaicas ou das mais exóticas? Não será o go japonês nada mais do que um jogo? Ou se é também uma arte, não será apenas em virtude de uma concepção oriental da arte (onde o tiro com arco, a esgrima, o go, a cerimónia do chá, a caligrafia, a pintura, se alimentam de uma mesma fonte original)?
Permanecendo numa perspectiva da arte ocidental, não haverá uma família de artistas que podemos dizer que «se divertem», que a sua obra é uma «chalaça» e que o seu público se «deleita»? Certamente encontraremos um grande número no decurso do tão exuberante século XX (Allais, Dada, Duchamp, Broodthaers, Perec, Queneau, Gaudi, Escher, Higgins, Fluxus, Duyckaerts, etc., etc.), mas também na história da arte (o rococó, as famosas telas de Arcimboldo, os jardins labirínticos, Platée, As Variações Goldberg, etc.). O trompe-l’oeil não é, indubitavelmente, um jogo?
São estas ligações subtis entre o jogo e a arte que gostaríamos de questionar nestess próximos números. Várias pistas de trabalho podem ser propostas:
* Investigação teórica sobre os princípios, conceitos e fundamentos compartilhados entre esses dois campos de atividades «gratuitas».
* Investigação histórica, no campo da arte, para revelar uma iconografia ou artistas que implementaram uma abordagem ludo-artística.
* Investigação para-estética, estudando o jogo de fusão entre arte e jogo nas suas regiões confinantes: em culturas distantes, nas crianças, nos animais.
* Estudando o lugar de jogo no desenvolvimento de uma cultura artística: na educação artística, na aprendizagem do gosto, na formação técnica, etc.
* Concentrando-se num artista-jogador, cujo trabalho é uma prova flagrante da conexão dos dois campos.
* Estudando os mecanismos funcionais de uma obra-jogo, ou seja, uma obra de arte que também seja um dispositivo lúdico, com as suas regras, pondo em relação vários protagonistas (inventor, intérprete, jogador, espectador, etc.).
* Refutando a tese, que apesar de tudo é muito discutível e ainda mal fundada. Porquanto é possível considerar Schiller e Huizinga pouco convincentes quando eles identificam no Spieltrieb (tendência para o jogo) uma fonte originária da arte.
Nos últimos anos, no entanto, um recém-chegado ao mundo do jogo parece susceptível a reivindicar o status da arte: o videojogo. Se a questão «o videojogo é uma arte?» divide, o próprio facto de a colocar, e de a retornar regularmente, é o sinal de que uma nova realidade está a decorrer com o videojogo. Na verdade, porque é colocada a questão, e que realidade reconfigurada ela nomeia ?
Os videojogos possuem qualidades que são o cerne de muitas disciplinas artísticas: uma dimensão gráfica ou mesmo plástica, uma dimensão musical, um eixo narrativo, uma reflexão sobre a representação, a capacidade de oferecer uma mensagem, ou mesmo de transmitir valores (o que alguns jogos já fazem: o Monopólio ou o Tarot são jogos altamente neoliberais, já que os mais ricos têm aí a vida mais fácil e mais lucrativa.), etc. Não estarão lá, de facto, as características do que consideramos naturalmente como arte?
Além disso, o videojogo, tornou-se a primeira indústria cultural do mundo, colocando-se perfeitamente ao lado das suas parceiras consideradas como artes de massas: o romance, o teatro, o cinema, a banda-desenhada, a música, mas também a rádio ou a televisão. Todos esses meios de comunicação constituem o grande coro da transposição de conteúdos culturais comuns. Se o romance, a banda-desenhada ou o cinema são artes, o seu último primo provavelmente também será…
O videojogo irrompeu efectivamente em prestigiosas instituições culturais (Bibliothèque Nationale de France, MOMA, Smithsonian American Art Museum, Australian Center for the Moving Image). De todas as artes não será ela a melhor candidata para fornecer exemplos de «obra de arte total» (o Gesamtkunstwerk wagneriano)? Não só porque ele combina os vários regimes do sensível (visual, som, temporal, fictício), mas também porque, centrado na interação com o jogador, ele mergulha o seu receptor no coração do seu Texto.
A questão da maturidade do videojogo é certamente central nesta polémica. Entendemos por tal o momento (tanto no sentido socioeconômico como temporal) em que uma atividade cultural se auto-investe das ações de seu medium.
– O mundo do videojogo foi prodigiosamente ampliado pela aparição regular de «videojogos de autor», tendo reinventado o seu medium e criando um novo género.
– Ele também está trabalhado pela sua dissidência vinda do mundo da arte digital ou da arte contemporânea, em sentido alargado, produzindo jogos independentes, ou mesmo underground, onde se podem expressar posições críticas, políticas, sociais, etc.
– Ele também se exporta para territórios não lúdicos: os serious games invadem as empresas, as escolas, as comunidades que procuram alterar a nossa relação no trabalho.
– A «gamificação do mundo» em acção hoje em dia marca a confluência da tecnologia interactiva e de um espírito lúdico-competitivo, na qual o videojogo é o ponto cimeiro. É do sensível e do viver em conjunto que ele então devolve.
Eis algumas orientações para tentar levar a sério a incómoda questão: «Os videojogos são uma forma de arte ou simplesmente cultura?». O espírito vídeo-lúdico que sopra no mundo contemporâneo participa da sua estetização ou do seu embrutecimento?
Ars Ludens : l’art, le jeu et le ludique
«La propriété subjective qu’a le mode de représentation propre au jugement de goût de pouvoir être universellement partagé (…), ne peut donc être autre chose que l’état de l’esprit dans le libre jeu de l’imagination et de l’entendement (…)». Kant, Critique de la faculté de juger. Analytique du beau. §9
Il en va du jeu comme de l’art : ni l’un ni l’autre n’arrivent aisément à se réduire à une définition unanime ni pérenne, et ils recouvrent tous deux un vaste périmètre d’objets et qui n’a de cesse de s’étendre. Il ne serait dès lors pas étonnant qu’ils réussissent à trouver quelque terrain commun, dans les faits voire en droit. Jeu et art ne sont-ils pas tous deux gratuits, récréatifs, entre le sérieux et le futile, revendiquant leur inutilité à la face du monde prosaïque ?
Nombreux furent les penseurs qui, au détour d’une étude ou au cœur d’une pensée, éclairèrent ce rapprochement entre l’art et le jeu. Il nous semble que l’on peut discerner trois voix dans ces discussions tentant de parler de l’art comme d’un jeu :
– celle faisant de “la fibre ludique” de l’homme la voie d’accès royale vers l’attitude esthétique (Huizinga, Mauss), ou à rebours, analysant l’éxpérience esthétique comme un comportement ludique, comme un libre jeu de facultés (Kant, Schiller).
– celle réfléchissant à la puissance créative à l’œuvre dans le jeu en train de se jouer (Freud, Winnicott).
– enfin, celle examinant les caractéristiques formelles communes à l’œuvre d’art et au jeu : rythme, harmonie, lieu, représentation, mimésis (Mauss, Gadamer, Fink).
Ce faisant, n’ont-ils pas en fait mis à jour une façon de parler du jeu comme d’un art ? En distinguant l’axe esthétique (de la réception) et l’axe poéïtique (de la création), médiés par un objet opéral et opératoire (l’œuvre).
Serait-il donc indifférent et anodin de pouvoir lire l’art comme un jeu et le jeu comme un art ?
Pour la plupart de ces penseurs, l’homme qui joue est dans l’enfance de l’art et l’œuvre d’art est une sublimation du jeu. Faut-il voir dans l’art l’idéal du jeu auquel l’homme adulte recourt quand il veut se divertir « intelligemment » ? Ou bien faut-il comprendre que tout art est toujours encore un jeu ou que tout jeu est toujours déjà de l’art ? Peut-on se contenter d’identifier les quelques territoires communs où un même objet peut se lire indifféremment comme jeu ou comme art (au premier chef, la danse, la musique, le théâtre, le théâtre d’improvisation) ? Ou bien s’évertuer à fixer le portrait d’une certaine forme d’art qui joue, qui se joue (des autres, d’elle-même, de l’art), quelles que soient les disciplines auxquels elle se rattache ?
La séparation, semble-t-il nette, entre jeu et art qui prévaut dans les sociétés occidentales, ne doit-elle pas être réinterrogée, eu égard à des pratiques plus anciennes, plus archaïques ou plus exotiques ? Le go japonais n’est-il qu’un jeu ? Ou s’il est aussi un art, n’est-ce qu’en vertu d’une conception orientale de l’art (où le tir à l’arc, l’escrime, le go, la cérémonie du thé, la calligraphie, la peinture se nourrissent à une même source originaire) ?
En restant dans une perspective d’art occidental, n’existe-t-il pas une famille d’artistes dont on pourrait dire qu’ils « s’amusent », que leur œuvre est une « facétie » et que leur public s’en « divertit » ? On en trouverait certes un grand nombre au cours du XXème siècle si exubérant (Allais, Dada, Duchamp, Broodthaers, Perec, Queneau, Gaudi, Escher, Higgins, Fluxus, Duyckaerts, etc, etc) mais encore dans toute l’histoire de l’art (le rococo, les fameuses toiles d’Arcimboldo, les jardins-labyrinthes, Platée, Les variations Goldberg, etc). Le trompe-l’œil n’est-il pas, sans conteste, un jeu ?
Ce sont ces liens subtils entre le jeu et l’art que nous aimerions interroger dans ces numéros. Plusieurs pistes de travail peuvent être proposées :
* Recherche théorique sur les principes, les concepts et les fondements partagés entre ces deux champs d’activités « gratuites ».
* Recherche historique, dans le champ de l’art, pour révéler une iconographie ou des artistes ayant mis en œuvre une approche ludo-artistique.
* Recherche para-esthétique, étudiant le jeu fusionnel entre art et jeu dans des régions voisines : dans des cultures éloignées, chez les enfants, chez les animaux.
* En étudiant la place du jeu dans l’élaboration d’une culture artistique : dans l’éducation aux arts, dans l’apprentissage du goût, dans la formation technique, etc.
* En se focalisant sur un artiste-joueur, dont l’œuvre est une preuve flagrante de l’accointance des deux champs.
* En étudiant les mécanismes fonctionnels d’une œuvre-jeu, ie d’une œuvre d’art qui est aussi un dispositif ludique, avec ses règles, mettant en relation divers protagonistes (inventeur, interprète, joueur, spectateur, etc).
* En réfutant la thèse, qui après tout est très discutable et encore mal fondée. Car on peut juger Schiller et Huizinga assez peu convaincants quand ils identifient dans le Spieltrieb (tendance au jeu) une source originaire à l’art.
Ces dernières années, un nouveau venu dans le monde du jeu revendique régulièrement un statut d’art : le jeu vidéo. Si la question « le jeu vidéo est-il un art ? » divise, le fait même de la poser, et d’y revenir régulièrement, est l’indice qu’une réalité nouvelle est à l’œuvre dans le jeu vidéo. Pourquoi en effet se pose-t-on la question et de quelle réalité reconfigurée est-il le nom ?
Les jeux vidéo possèdent des qualités qui sont au cœur de nombreuses disciplines artistiques : une dimension graphique voire plastique, une dimension musicale, un axe narratif, une réflexion sur la représentation, la capacité à délivrer un message, voire à transmettre des valeurs (ce que certains jeux font déjà : le Monopoly ou le Tarot sont des jeux hautement néo-libéraux, puisque les plus riches y ont la vie la plus facile et la plus lucrative), etc. N’a-t-on pas là en effet, les caractéristiques de ce que l’on considérera volontiers comme de l’art ?
Par ailleurs, le jeu vidéo, devenu première industrie culturelle au monde, prend parfaitement place aux côtés de ses consœurs considérées comme des arts de masse : le roman, le théâtre, le cinéma, la bande dessinée, la musique, mais aussi la radio ou la télévision. Tous ces médias composent la grande chorale de la remédiation de contenus culturels communs. Si le roman, la BD ou le cinéma sont des arts, leur dernière cousine a toutes les chances d’en être aussi…
Le jeu vidéo a effectivement fait irruption dans de prestigieuses institutions culturelles (Bibliothèque Nationale de France, MOMA, Smithsonian American Art Museum, Australian Center for the Moving Image). De tous les arts, n’est-il pas le meilleur candidat pour fournir des exemples « d’œuvre d’art total » (le Gesamtkunstwerk wagnérien) ? Non seulement parce qu’il cumule les différents régimes du sensible (visuel, sonore, temporel, fictif), mais aussi parce que, centré sur l’interaction avec le joueur, il plonge son récepteur au cœur de son Texte.
La question de la maturité du jeu vidéo est peut-être centrale dans cette polémique. Entendons par là le moment (au sens socio-économique autant que temporel) où une activité culturelle s’auto-investit des enjeux de son médium.
– Le monde du jeu vidéo s’est prodigieusement agrandi par l’apparition régulière de « jeux vidéos d’auteur », ayant su réinventer leur médium et créer un nouveau genre.
– Il est aussi travaillé par sa dissidence venue du monde de l’art numérique ou de l’art contemporain au sens large, produisant des jeux indépendants voire underground où peuvent s’exprimer des postures critiques, politiques, sociales, etc.
– Il s’exporte aussi dans des territoires non ludiques : les serious games envahissent les entreprises, les écoles, les collectivités cherchant à révolutionner notre rapport au travail.
– La « ludification du monde » à l’œuvre aujourd’hui marque la confluence de la technologie interactive et d’un esprit ludico-compétitif, dont le jeu vidéo est fer de lance. C’est du Sensible et du vivre-ensemble qu’il retourne alors.
Voilà quelques pistes posées pour essayer de prendre au sérieux la question lancinante : « Le jeu vidéo est-il une forme d’art ou simplement de culture ? ». L’esprit vidéoludique qui souffle dans le monde contemporain participe-t-il à son esthétisation ou à son abrutissement ?
Ars Ludens: art, game and play
«As the subjective universal communicability of the mode of representation in a judgment (…), it can be nothing else than the mental state present in the free play of imagination and understanding (…)». Kant, The Critique of Judgment. Analytic of the beautiful. §9
An identical question is at stake with game and art: neither can easily be reduced to a unanimous nor perennial definition, and they both cover a vast perimeter of objects that cannot help expanding. It would not be surprising, therefore, if they managed to find some common ground, in facts if not in law. Game and art are they not both free and recreational, between the serious and the futile, claiming their uselessness in the face of the prosaic world?
There are many thinkers who – in the margins of a study or in the core of a thought – has illuminated this rapprochement between art and game. It seems to us that we can discern three voices in these discussions trying to talk about the art as a game:
– those who are making the “playful fiber” of man, the royal road to the aesthetic attitude (Huizinga, Mauss), or backward, analyzing the aesthetic experience as a playful behavior, as a free play of faculties (Kant, Schiller).
– those who are pondering over the creative power at work in the game being played (Freud, Winnicott).
– finally, those who are examining the formal characteristics common to the work of art and the game: rhythm, harmony, place, representation, mimesis (Mauss, Gadamer, Fink).
In fact, by distinguishing the aesthetic axis (of the reception) and the poïetic axis (of the creation), mediated by an operative and operative object (the work), did they not actually reveal a way of talking of game as an art?
Would it be indifferent and harmless to be able to read art as a game and game as an art?
For most of these thinkers, the man who plays is in the childhood of art, and the work of art is a sublimation of the game. Should we see in art the ideal of game, to which the adult man resorts when he wants to entertain “intelligently” ? Or is it necessary to understand that all art is always still a game or that any game is always already art? Can we be satisfied with identifying the few common territories where the same object can be read indifferently as a game or as an art (in the first place, dance, music, theater, improvisational theater)? Or shall we strive to fix the portrait of a certain form of art that plays, that is played, that makes play (others, itself, art), whatever disciplines it would be attached?
Should the separation, as clear as it may seem, between play and art prevailing in Western societies, not be re-examined, given older, more archaic or more exotic practices? Is not the Japanese go nothing more than a game? Or if it is also an art, is it only by virtue of an oriental conception of art (where archery, fencing, go, the tea ceremony, calligraphy, painting, stem from the same original source)?
If we stand by the Western art perspective, is there not a family of artists that could be said “having fun”, that their work is a “joke” and that they are entertaining their audience? We would certainly find many examples in the course of the exuberant twentieth century (Allais, Dada, Duchamp, Broodthaers, Perec, Queneau, Gaudi, Escher, Higgins, Fluxus, Duyckaerts, etc., etc) but also in the more ancient history of art (the rococo, the famous Arcimboldo canvases, the labyrinthine gardens, Platée, the Goldberg variations, etc.). Is not the trompe-l’oeil, without question, a game?
It is these subtle links between the game/play and the art that we would like to question in these numbers. Several ways of dealing with this question can be proposed:
* Theoretical research on the principles, concepts and foundations shared between these two fields of “free” activities.
* Historical research, in the field of art, to reveal an iconography or artists having implemented a playful-artistic approach.
* Para-aesthetic research, studying the blending game between art and game in neighboring regions: in distant cultures, with children, with animals.
* By studying the place of game/play in the development of an artistic culture: in arts education, in taste learning, in technical training, etc.
* By focusing on an artist-player, whose work is a blatant proof of the familiarity of the two fields.
* By studying the functional mechanisms of an artwork-game, ie a work of art that is also a playful device, with its rules, connecting with various protagonists (inventor, performer, player, spectator, etc.).
* By Refuting the thesis, which after all is very questionable and still unfounded. For Schiller and Huizinga can be judged rather unconvincing when they identify the Spieltrieb (tendency to play) as an originating source for art.
In recent years, a newcomer to the game world regularly claims the status of art: the video game. If the question “is video game an art?” divide, the very fact of posing it, and return to it regularly, is a sign that a new reality must be at work in video game. Why, indeed, asking the question and of what type of reconfigured reality is it the name?
Video games have qualities that are at the core of many artistic disciplines: a graphic or even plastic dimension, a musical dimension, a narrative axis, considerations about representation, the ability to deliver a message, or even to transmit values (which is already done by several games: Monopoly or Tarot are highly neoliberal games, since the richest have the easiest and the most lucrative way of life), etc. As a metter of fact, have we not there the characteristics of what we will willingly consider as art?
Moreover, video game, which has become the leading cultural industry in the world, is perfectly placed alongside its sisters considered as mass arts: the novel, the theater, the cinema, the comic strip, the music, but also the radio or the television. All these media compose the great choir of common cultural contents’ remediation. If the novel, the comics or the cinema are arts, their last cousin is also likely to be one…
The video game has indeed burst in prestigious cultural institutions (National Library of France, MOMA, Smithsonian American Art Museum, Australian Center for the Moving Image). Of all the arts, is it not the best candidate to provide examples of “total artworks” (the Wagnerian Gesamtkunstwerk)? Not only because it combines the different regimes of the sensitive (visual, auditory, temporal, fictional), but also because, centered on the interaction with the player, he plunges his receiver into the heart of his Text.
The question of the maturity of the video game is perhaps central in this controversy. By this term, we mean the moment (in the socio-economic as well as temporal sense) in which a cultural activity is self-investing the stakes of its medium.
– The world of video games has been enormously enlarged by the regular appearance of “video games d’auteur“, having reinvented their medium and creating a new genre.
– It is also worked from inside by its dissidence coming from the world of digital art or contemporary art in a broad sense, producing independent games – even underground – that can express critical, political, social positions etc.
– It also intrudes on unplayful territories: serious games invade firms, schools, communities in order to revolutionize our relationship to work.
– The ongoing “gamification of the world” marks the confluence of the interactive technology and a playful-competitive spirit, whose video game is the spearhead. It is just about the Sensible and our Living-together.
Here are some ways to try to take seriously the nagging question: “Is video game an artistic or only a cultural form ?”. Does the videogame spirit, now blowing in the contemporary world, participate in its aestheticisation or in its brutishness?
Pascal Krajewski
Pascal Krajewski
Pascal Krajewski has a PhD in Art sciences and a Master degree in aerospace engineering. Researcher associated to the Fine Arts Faculty of Lisbon University (FBAUL-CIEBA), he is specialized in new technology and media in art. He is reviewer for the e-journals Appareil (MSH-Paris Nord) and Convocarte (FBAUL). His thesis, attended in 2012 (then published), dealt with the possibility of a « technological art ». The author described the various aesthetic effects implied by the irruption of devices within the art sphere : on the artist and his skill, on the artwork and its existence, on the aesthetic reception and its preambles. He is the author of books about technological art, comic strip and the notion of art medium – and also of articles about the question of image, gesture, photography, besides different translations in French of Greenberg, Manovich, Higgins, etc. Here, he is opening a vast « thinking workshop » about video game for the next few years. He lives and works in Toulouse (France).
Jorge Martins Rosa
Jorge Martins Rosa é professor auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA-FCSH, leccionando, entre outros, os seminários de mestrado «Cibercultura» e «Cultura Pop», e «HIstória e Tendências dos Media Digitais» «Arte e Tecnologia» a nível do doutoramento. Depois duma dissertação de mestrado sobre videojogos, defendeu doutoramento sobre as ligações entre Philip K. Dick e o discurso da cibercultura. Foi, entre 2010 e 2012, investigador principal do projecto «A Ficção e as Raízes da Cibercultura».
Nº 4/5 — ARTE E ACTIVISMO POLÍTICO [pt; fr; en]
Arte e activismo político
«Todos aqueles que até agora conseguiram a vitória participam desse cortejo triunfal em que os senhores de hoje marcham sobre os corpos dos vencidos de hoje. A este cortejo triunfal pertencem também os despojos como sempre foi uso. Esses despojos são aquilo que se define como os bens culturais. (…). Não há nenhum documento de cultura que não seja também documento de barbárie». (Walter Benjamin, Teses sobre a Filosofia da História, tese VII, Paris 1940)
Pensar em arte e activismo político implica articular dimensões como o espaço público, a sua ordem social, o jogo de poderes, o lugar da arte no seu seio, as estruturas e dinâmicas de produção e recepção artísticas, com os seus regimes de crítica ou submissão/alienação, o modo e lugar das próprias obras e a eficácia da sua acção, etc. Este activismo supõe aqui uma intervenção de dimensão pública onde encontramos a fatalidade de uma confrontação política (que assumimos aqui numa acepção alargada, derivada da etimologia fundadora de polis como lugar da cidadania e da comunidade).
Se a arte sempre teve uma relação com a política, nem que seja enquanto voz dos poderes, o pensamento crítico que emergiu com a Era Contemporânea como marca antitética do próprio Iluminismo, anunciou uma tensão interna na relação entre cultura e poderes. Coincidente com a autonomização da esfera artística e animada por um processo público e de democratização da cultura, esta tensão começaria a verificar-se sobretudo a partir do século XVIII. A meio do século seguinte, já no seio das contradições da cidade industrial e burguesa, Marx denunciava que a cultura (e a arte) se tendia a estabilizar na história como espólio e voz da classe dominante – bem expresso na epigráfica frase de Walter Benjamin. A arte perdia inocência e, entre a liberdade do individualismo romântico e o compromisso social dos realismos, assumia já responsabilidades críticas – Daumier, Courbet ou a importância da caricatura no século XIX, foram alguns exemplos.
Um conjunto de tensões estavam lançadas para a cultura: entre vanguardas artísticas e vanguardas políticas; entre autonomia da esfera artística e o seu contexto político e social; entre produção e recepção; entre liberdade e compromisso; entre dimensão crítica e/ou utópica; etc. Este torna-se assim um tema de trabalho com perigos de excesso de latitude, tantas as suas possibilidades, obrigando a um esforço de concentração numa produção artística que assume essa acção no espaço social, onde o estético se ultrapassa por outra urgência de proeminência ética. Num tempo em que o neoliberalismo domina de modo tão global, com um poder tão vigoroso como nebuloso, dissimulado da visibilidade e discussão pública, inserindo-se na cena política de forma camuflada e a coberto dos seus reais valores, para a subverter e dominar, muitas das tradições da política parecem estar em causa e por vezes parecem ser inócuas. Tal obriga a repensar o lugar de uma arte que age criticamente na esfera da política. É na consideração desta situação presente que o apelo à reflexão sobre arte e activismo político (nos seus diferentes desdobramentos e acepções como arte activista, activismo artístico, artivismo, entre outras) se faz também com o desejo de entender essa actualidade de novos modos de poder.
Estas premissas fundamentam o desafio para este dossier temático, ou seja, reflectir sobre arte a partir da ideia de que os artistas e restantes trabalhadores da cultura desempenham um papel imprescindível na sociedade, porque as artes são também um terreno de luta, de luta pela hegemonia cultural mas também ideológica e política. Mas o desafio, partindo dessa concepção, não se finda nela, porque aqui poderemos reflectir acerca do papel dos artistas enquanto activistas políticos, mas simultaneamente acerca do seu trabalho artístico activista, como o demonstram inúmeras práticas artísticas contemporâneas.
As práticas que se constituem simultaneamente como exercício artístico e participação na luta política serão então o principal objecto de análise deste dossier. Para que tal aconteça, é necessário ter como ponto de partida o modelo e estrutura social, política e económica onde essa prática artística se desenvolve e age, e qual a posição que a mesma toma relativamente a ela. Estamos em data do centenário da revolução russa, a que a edição deste dossier fatalmente se liga, não como directa comemoração, mas como uma espécie de efeméride de cogitação ou de reflexão crítica. Porque é exactamente a relação entre a arte e a sociedade que ali aconteceu, nas suas várias dimensões de transformações e articulações, mais lentas ou mais aceleradas, mais críticas ou mais utópicas, onde a arte assume um papel decisivo, um protagonismo, que aqui nos interessa. Ao fim de um século dessa marcante revolução, continuam a ressentir-se os ecos desse que foi um momento de abertura de estratégias de reflexão entre a arte e as suas directas possibilidades (e responsabilidades) de acção política e social.
Trata-se essencialmente de recuperar a marca da arte que age criticamente no seio da sociedade para lhe transformar a consciência política e que, na tradição de autores como Hegel, Marx, Adorno, Marcuse, Althusser, Foucault, Deleuze ou Baudrillard, entre outros, deve ser pensada para além da estrita ligação à propaganda ou alienação, ou à cristalização dos ismos artísticos ou políticos.
Sabemos que a complexidade e abrangência do tema permitem diferentes abordagens, mas por necessidade programática, arriscamos a apresentação de alguns enunciados:
- Confronto dialógico entre práticas artísticas de períodos e contextos culturais, sociais e políticos distintos;
- Resistência cultural e acção política dos artistas e trabalhadores da cultura;
- Possível resistência e crítica ao terreno das indústrias culturais e da globalização capitalista: metodologias, estratégias e efeitos;
- Elucidações e propostas de activismo artístico: caracterização, objectivos, estudos de caso, contextualização histórica;
- Condições de produção, de apresentação e de fruição: estratégias de consciência, resistência e luta perante o neoliberalismo;
- Relação e tensão entre as instituições do mundo da arte e da política, em termos tanto de inclusão como de exclusão;
- A produção artística inserida em esfera de acção política, na sua acepção colectiva, sobretudo em momentos revolucionários – tal como aconteceu, como meros exemplos, nos primeiros anos da Revolução de Outubro, a partir de 1917, no que foi a dinâmica das vanguardas russas, ou em Portugal nas intervenções colectivas e de rua nos anos do pós 25 de Abril de 1974.
Art et activisme politique
« Tous ceux qui jusqu’ici ont remporté la victoire participent à ce cortège triomphal où les maîtres d’aujourd’hui marchent sur les corps des vaincus d’aujourd’hui. À ce cortège triomphal, comme ce fut toujours l’usage, appartient aussi le butin. Ce qu’on définit comme biens culturels. (…). Il n’est aucun document de culture qui ne soit aussi un document de barbarie ». (Walter Benjamin, Thèses sur le Concept d’Histoire, thèse 7, Paris, 1940)
Réfléchir sur l’art et l’activisme politique implique d’articuler plusieurs dimensions telles que l’espace public, son ordre social, le jeu des pouvoirs, le rôle que l’art y tient, les structures et les dynamiques de la production et de la réception artistiques, mais encore ses régimes critiques ou de soumission, les moyens et la place des œuvres elles-mêmes, l’efficacité de leur action, etc. Un tel activisme suppose une intervention d’ordre public ouverte à la confrontation politique (au sens large, étymologique de la « Polis », lieu de la citoyenneté et de la communauté).
Si l’art a toujours eu un lien avec la politique (ne serait-ce que comme la voix de son maître), la pensée critique qui émergea à l’ère contemporaine, sorte de symptôme négatif des Lumières, souleva le voile sur la tension inhérente à la relation culture-pouvoir. Cette tension émergea principalement à partir du XVIIIe siècle, parallèlement à l’autonomisation de la sphère artistique et dans le sillage d’un procès public de démocratisation de la culture. Au milieu d’un XIXè siècle déjà perclus des contradictions de la ville industrielle et bourgeoise, la voix de Marx s’éleva pour dénoncer la place que la culture (et l’art) avait progressivement acquis au cours de l’Histoire, celle d’un butin et d’un serviteur de la classe dirigeante – idée que l’on retrouve énoncée dans notre épigraphe de Walter Benjamin. L’art perdait finalement son innocence et, pris entre la liberté de l’individualisme romantique et l’engagement social du réalisme, il assuma de nouvelles responsabilités critiques – Daumier, Courbet, la caricature du XIXe siècle en fourniraient maints exemples.
La culture se trouva ainsi un nouveau jeu de défis et de tensions à affronter : entre avant-gardes artistiques et avant-gardes politiques ; entre l’autonomie de la sphère artistique et son contexte politico-social ; entre sa production et sa réception ; entre la liberté et l’engagement ; entre les dimensions critique et utopique ; etc. On le voit, le thème de ce dossier court peut-être le danger d’une trop grande liberté et d’horizons trop larges, de sorte qu’un effort de concentration sera nécessaire pour se focaliser sur la production artistique prenant effectivement place dans l’espace social, alors même que la dimension esthétique se trouverait parfois disqualifiée par une importance éthique autrement plus urgente.
A une époque où le néolibéralisme domine si outrageusement, fort d’une puissance aussi manifeste que nébuleuse, dissimulé à la vue et aux dires de tous, pénétrant sur la scène politique d’une manière masquée, en fardant ses valeurs réelles, pour mieux la renverser et la dominer – la plupart de nos traditions politiques semblent être à la fois impactées et incapables de contre-mesures. C’est en cela qu’il y a urgence à repenser la place d’un art agissant de manière critique dans la sphère du politique. Dans cette perspective, la présente invitation à penser l’art et l’activisme politique (quelles que soient les ramifications et les significations d’une terminologie englobant activiste, activisme artistique, artivisme, etc) vise à élucider et à comprendre l’actualité de ses nouveaux modes d’expression du pouvoir.
C’est sur ces prémisses que ce numéro thématique voudrait repenser l’art, partant de l’hypothèse que les artistes et autres travailleurs culturels jouent un rôle essentiel dans la société, parce que les arts sont aussi un terrain de lutte, non seulement pour l’hégémonie culturelle, mais aussi de luttes idéologique et politique. L’objectif de ce dossier serait de réfléchir au rôle des artistes comme activistes politiques, et dans le même temps à leur œuvre militante (comme de nombreuses pratiques artistiques contemporaines pourraient l’illustrer).
Par conséquent, les pratiques alliant le travail artistique à une participation dans la lutte politique seront l’objet principal des analyses de ce dossier. Pour ce faire, il faut sans doute partir du modèle et de la structure socio-politico-économique dans lesquels une pratique artistique se développe et agit, en les couplant à la posture que l’artiste adopte à leur égard. Nous fêtons cette année le centenaire de la Révolution Russe, à laquelle l’édition de ce dossier renvoie fatalement, non pas comme une célébration directe, mais comme une sorte d’éphéméride de la question et de la pensée critiques. Parce que c’est exactement cette relation entre l’art et la société, dans ses diverses modalités de changements et de tensions, au rythme variable, parfois plus critique parfois plus utopique, qui nous intéresse encore – une relation où l’art joue un rôle décisif, celle d’un protagoniste. Un siècle après cette révolution remarquable, nous ressentons encore les répercussions lointaines de ce qui fut un moment stratégique d’ouverture et de réflexion entre d’une part, l’art et ses possibilités directes (ses responsabilités) et d’autre part, l’action politique et sociale.
Il est essentiel de renouer avec la tradition des penseurs tels que Hegel, Marx, Adorno, Marcuse, Althusser, Foucault, Deleuze et Baudrillard, entre autres – pour retrouver la piste d’un art agissant de manière critique dans la société afin de transformer la conscience politique, bien au-delà des seules considérations sur la propagande ou l’aliénation, ou de la cristallisation des « -ismes » artistiques ou politiques.
La complexité et la portée du thème autorisent des approches différentes, dont nous préconisons les entrées suivantes :
- Confrontation dialogique entre des périodes et des pratiques artistiques culturelles, sociales et politiques variées;
- Résistance culturelle et action politique des artistes et des travailleurs culturels;
- Possibilité d’une résistance critique sur le terrain des industries culturelles et de la mondialisation capitaliste : méthodologies, stratégies et effets;
- Elucidation de propositions d’activisme artistique : caractérisation, objectifs, études de cas, contexte historique;
- Etude des conditions de production, de présentation et d’exploitation : stratégies de sensibilisation, résistance et lutte devant le néo-libéralisme;
- Relation et tension entre les institutions du monde de l’art et de la politique, à la fois en termes d’inclusion et d’exclusion;
- Analyse de la production artistique intégrée à la sphère politique (au sens du collectif), en particulier dans les moments révolutionnaires – par exemple, ce qui advint aux premières années de la Révolution d’Octobre (à partir de 1917), et qui fut la dynamique de l’avant-garde russe, ou au Portugal dans les interventions collectives de rue dans les années suivant le 25 Avril 1974 (Révolution des Œillets).
Art and political activism
«Whoever has emerged victorious participates to this day in the triumphal procession in which the present rulers step over those who are lying prostrate. According to traditional practice, the spoils are carried along in the procession. They are called cultural treasures, (…). There is no document of civilization which is not at the same time a document of barbarism». (Walter Benjamin, Theses on the Philosophy of History, thesis VII, Paris 1940)
Thinking about art and political activism implies the articulation of different dimensions such as public space, its social order, the political manoeuvre, the place of art, the structures and dynamics of artistic production and reception, with its regimes of criticism or submission/alienation, the aim and place of the works themselves and the effectiveness of their action, etc. This activism implies an public intervention where we find the fatality of a political confrontation (which we assume here in a broader sense, derived from the etymological meaning of polis as a place of citizenship and community).
If art has always been related to politics, even as a voice of the powers, the critical thinking that emerged with the Contemporary Era as the antithetical mark of the Enlightenment itself, announced an internal tension in the relation between culture and political power. The increased tension that occur especially from the 18th century, was coincident with the autonomy of the artistic sphere and was animated by a public process and by the democratization of culture. In the middle of the 19th century, already within the contradictions of the industrial and bourgeois city, Marx denounced that culture (and art) has tended to be stabilize in history as a voice of the dominant class – well expressed in the epigraphic phrase of Walter Benjamin. Art lost its innocence, and between the freedom of the romantic individualism and the social commitment of the several forms of Realism, it took for itself some critical responsibilities – as Daumier, Courbet, or the importance of caricature show us.
A new set of challenges and tensions were then launched for culture: between artistic vanguards and political vanguards; Between the autonomy of the artistic sphere and its political and social context; Between production and reception; Between freedom and commitment; Between critical and / or utopian dimension; etc. There are so many possibilities in this field, that it will be necessary to make major efforts of concentration in the artistic production that takes action in the social space, where the aesthetic is sometimes outweigh by the urgency of ethical prominence.
In these times of a globalised neo-liberalism, where its power is both vigorous and nebulous, concealed from public visibility and discussion, entering on the political arena in a somewhat underhand manner to subvert and dominate it, many of the political traditions seems to be innocuous. This requires us to rethink the place of an art that acts critically in the sphere of politics. Under this scenario, we are therefore calling for reflection and debate about art and political activism (in its different meanings and typologies as activist art, artistic activism, artivism, among others).
The challenge for this dossier is to reflect on art from the idea that artists and other workers of culture play an indispensable role in society, because the arts are a field of struggle for cultural, ideological and political hegemony. The challenge is also to reflect on the role of artists as political activists, but simultaneously on their activist artistic work.
To achieve those goals, it is necessary to have present the social, political and economic structure where the artistic practice grows and what position it takes in relation to it. This year marks the centenary of the Russian revolution, to which this edition inevitably is attached, not as a direct celebration, but rather as a sort of oportunity to reflect critically about it. Because it is exactly the relationship between art and society that has taken place there that here interest to discuss, in its various dimensions of transformation and articulation, more slower or more accelerated, more critical or more utopian, where art assumes a decisive role, a protagonism. A century later of this remarkable revolution, the echoes of the openness of the strategies of reflection between art and its direct possibilities (and responsibilities) of political and social action remains present in our days.
In the tradition of authors such as Hegel, Marx, Adorno, Marcuse, Althusser, Foucault, Deleuze or Baudrillard, among others, it is essential to recover the mark of art that acts critically in society to transform political consciousness beyond the strict connection to propaganda or alienation, or to the crystallization of artistic or political isms.
The complexity of the theme allow for different approaches, some of which are:
• Dialogical confrontation between artistic practices from different historical, cultural, social and political contexts;
• Cultural resistance and political action of artists and culture workers;
• Possible resistance and criticism to the field of cultural industries and capitalist globalization: methodologies, strategies and effects;
• Proposals of artistic activism: characterization, objectives, case studies, historical contextualization;
• Conditions of production, reception and distribution: strategies of resistance and struggle against neo-liberalism;
• Relationship and tensions between the institutions of the world of art and politics, in terms of both inclusion and exclusion;
• Artistic production inserted in a sphere of political action, in its collective meaning, especially in revolutionary moments – just as it happened, as mere examples, in the first years of the October Revolution or in Portugal after the Revolution of 1974.
Fernando Rosa Dias Coordenador Geral de Convocarte
Cristina Pratas Cruzeiro Coordenador do Dossier Temático do nº4/5 de Convocarte — Arte e Activismo político
Nota curricular [pt]
A especialista convidada para co-coordenar o Dossier temático dos números 5 e 6, em torno de Arte e Activismo Político, é a investigadora Cristina Pratas Cruzeiro. Licenciada em História, variante de História da Arte pela FLUL, desenvolveu o Mestrado em Teorias da Arte com a dissertação “A caminho da dissolução: A problemática da autoria na arte contemporânea” e o Doutoramento em Belas Artes, na Especialidade de Ciências da Arte com a tese “Arte e Realidade: Aproximação, diluição e simbiose no século XX”. Foi bolseira de Doutoramento da FCT entre 2008 e 2012 e ao abrigo do Programa Sócrates-Erasmus, na Facultat de Geografia i Història, Universitat de Barcelona, Espanha. Actualmente é bolseira de Pós-Doutoramento da FCT desenvolvendo o projecto “Colaboração e Colisão: Intervenção pública e política da arte”. É Professora Assistente Convidada na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, investigadora integrada do IHA-FCSH/UNL e CIEB-FBAUL e investigadora associada do CHAM-FCSH/UNL.
Os seus interesses de investigação centram-se na relação das práticas artísticas contemporâneas com a sociedade em diferentes perspectivas, com especial enfoque para a articulação com a política. Como investigadora, tem participado em congressos, conferências e workshops, com comunicações referentes à sua área de especialização e tem publicado diferentes artigos em revistas de natureza científica e académica em Portugal e no estrangeiro. É membro efectivo para as questões artísticas da Comissão Científica da publicação periódica ‘Análise Associativa’, editada pela CPCCRD.
Calendário dos trabalhos [pt]
- Antes de 15 maio : Envio à Coordenação Geral uma «primeira proposta de trabalho» (Título, linhas gerais de trabalho e curriculum breve)
- Antes de 15 julho (adiado para 31 Agosto): Envio à Coordenação Geral do «texto finalizado» (com imagens, abstract noutra língua do texto e 5 a 10 palavras-chave)
- Setembro: Apreciação de pares (peer review) do texto apresentado
- Outubro: Trabalho de revisão científica do texto pelo autor em função das sugestões fornecidas pelos avaliadores
- Outubro e novembro: Correcções finais e maquetagem dos números
- Dezembro: Envio aos autores do seu texto final paginado para última revisão
- Janeiro 2018 : Lançamento dos números
Nº 2/3 — ARTE E GEOMETRIA
Apresentação do Dossier Temático do nº2/3 de CONVOCARTE
A Geometria é uma das mais importantes matérias de estudo, transversal a todas as grandes civilizações da Antiguidade. (…). A compreensão do espaço através da Geometria reflecte-se ainda na importância das inúmeras associações simbólicas de que é alvo, sendo por exemplo posta ao serviço de fundamentos religiosos, tanto no Ocidente como no Oriente. Seja pela exploração de padrões, pelo estudo das proporções, pela riqueza conferida à composição visual ou pela determinação e desenvolvimento dos fundamentos da perspectiva linear, a Geometria tem um lugar de importância maior na história da Arte. Em épocas mais recentes a exploração da Geometria continuou a trazer novidade e mudança, particularmente nas artes visuais, senão note-se a importância do cubismo, da abstracção geométrica ou mesmo da op art.
Isto faz com que o estudo abrangente das várias formas de aplicação da Geometria na Arte seja essencial. Aceitando que a bibliografia existente no campo da análise geométrica e composicional de pintura, arquitectura ou escultura é considerável, é inevitável notar que a mesma deve mais à iniciativa individual dos seus autores do que a uma linha metodológica estabelecida, como acontece por exemplo na história da arte ou outros campos de análise da imagem (casos de Charles Bouleau, Matila Ghyka, Robert Lawlor ou Martin Kemp).
Reunir estratégias de investigação mais recentes sobre o tema contribuirá para clarificar e enriquecer metodologias no campo da Geometria aplicada à Arte. Estudos de caso podem incluir ainda artistas plásticos contemporâneos que fazem uso de propriedades geométricas na sua obra, aplicações que entrecruzam ciências e percepção visual (como o caso da cartografia) ou mesmo o estudo da relação da Geometria com a simbologia.
Contudo, o tema, com vasta profundidade histórica, artística e cultural, tem estado esquecido nos debates recentes do mundo universitário, como que fora de moda, pelo que a sua convocação de estudos actuais se apresente um desafio particular a que a Convocarte resolveu avocar. Apresentamos alguns motes, com exemplos genéricos, de desenvolvimentos possíveis de propostas de texto. Longe de ser exclusiva, esta é uma amostra das potencialidades do tema:
- A Geometria na arte, caso da tratadística e a sua preocupação com as medidas, desde a antiguidade até, pelo menos, ao modulor de Le Corbusier.
- A Geometria como instrumento de estudo da obra de arte, na história e nas teorias da arte, caso dos famosos estudos de Panofsky sobre as proporções na representação do corpo ou sobre a perspectiva, ou estudos de análise de imagem e de composição e a averiguação de princípios geométricos-matemáticos nas obras, tais como a regra de ouro.
- A utilização de princípios geométricos em movimentos, estilos ou técnicas artísticas, como a abstracção geométrica, a op art, os padrões geométricos na tradição do azulejo, em culturas não figurativas, etc.
- A Geometria nas várias artes: a métrica na música e na poesia; a regra de ouro na composição de obras de várias artes visuais, da pintura à tipografia; o canon da figura humana, etc.
- A Geometria na relação entre as artes, em modos de analogia ou de interferência; por exemplo a utilização de padrões geométricos na decoração de edifícios arquitectónicos ou de espaços urbanos.
- O confronto de tempos e movimentos culturais mais marcados pela Geometria, com outros menos aderentes.
- A Geometria e a educação artística, como disciplina basilar em diferentes espaços e níveis de ensino artístico.
- O debate da contemporaneidade da Geometria na arte e a sua possível actualidade ou mesmo crise (ver em exemplo o ensaio de Peter Halley: «A Crise da Geometria», in Arts Magazine, nº10, 1984).
[traduction française – Présentation du dossier thématique nº 2-3 de CONVOCARTE – «Art et Géométrie» ]
Fernando Rosa Dias Coordenador Geral de Convocarte
Simão Palmeirim Coordenador do Dossier Temático do nº2/3 de Convocarte — Arte e Geometria