Finok – Exposição «Enterro do Galo» – Galeria Underdogs – 30 Janeiro a 28 Fevereiro 2015
por Margarida Barros
“Enterro do Galo” é uma exposição individual do artista contemporâneo Finok (Raphael Sogarra), na galeria Underdogs, patente de 30 de Janeiro a 28 de Fevereiro de 2015.
Finok é um artista de arte contemporânea ligado à linguagem da cultura urbana. É um jovem artista de apenas 29 anos, que, já, é dos mais prolíferos na zona do epicentro da América do Sul na cultura do graffiti. Vive em São Paulo, cidade que é conhecida pela sua arte urbana, e cresceu num bairro operário, Cambuci, que nos anos 90 foi o epicentro do graffiti sul-americano. É das suas origens que parte a sua temática, ligada às tradições populistas e vernaculares, em junção com a realidade, mais, contemporânea da cidade urbana.
A exposição é composta por oito peças autênticas, e mesmo sendo numa galeria, o intuito não é a venda, mas a partilha com o público do trabalho deste artista de street art. Os trabalhos vão desde escultura, a pintura e instalações, mesmo as pinturas são um misto de escultura em madeira (MDF) trabalhadas em baixo e alto relevo. Para além das peças expostas, também, foi realizada uma obra exterior, na rua de Manica 3, Olivais Sul, Lisboa, peça que integra a exposição, demonstrando o trabalho do artista fora das quatro paredes.
A galeria Underdogs é uma plataforma cultural de arte contemporânea ligada às novas linguagens da cultura urbana. Tem vido a estabelecer várias relações entre artistas e agentes culturais, com o objectivo da proliferação da arte urbana, tanto por locais de exposição e pela cidade de Lisboa. A galeria física, porque a galeria estende-se pela cidade com os múltiplos trabalhos realizados por diversos artistas convidados, encontra-se num armazém na zona do Braço de Prata, Lisboa. É galeria informal e, até, alternativa, que alberga exposições individuais e colectivas, sempre dentro da linguagem da street art. Conseguinte, a inauguração da exposição foi de um ambiente informal e alternativo, com várias presenças de indivíduos do mundo da street art, entre outros ligados ao mundo da arte contemporânea.
O tema da exposição, como o próprio nome indica, está relacionada com rituais de crença de raiz espiritual, religiosa e popular de grande influência sincrética. Rituais não só de origem brasileira mas também portuguesa. Esta ligação é reflectida pela peça composta por quatro balões de ar quente, obra sem título (fig. 1). Representam os balões lançados nas festividades portuguesas dos Santos Populares, mais precisamente no São João no Porto, prática também realizada no Brasil em várias celebrações. Esta peça dá as boas vindas à exposição, sendo a obra que mais se destaca devido a ser composta por quatro elementos, de grandes dimensões, colocados em quatro pontos da sala, com uma estrutura quadrangular. As suas cores vivas e a iluminação interior criam um grande destaque das outras obras. Contudo, ao fundo da sala e centrada, esta outra peça muito chamativa, uma instalação de pipas, ou papagaios de papel (fig.2), que nos transfere para o topo dos prédios de São Paulo, onde é costume serem lançados principalmente por crianças, como forma de diversão e, até, competição.
Um elemento de grande predominância, figurativa, na obra de Finok são as máscaras e as caras diversas e expressivas. A sua figuração é muito característica de São Paulo. Se observarmos o trabalho dos artistas Os Gémeos ou de Crânio, ambos de São Paulo, onde no seu trabalho, também, predomina a figuração num estilo ilustrativo, quase que caricatural. Mas não é só na figuração que existem semelhantes que marcam a imagética da arte urbana paulista, a cor é também uma característica muito vincada nestes três artistas. A cor é para além de uma característica uma tradição dentro da comunidade writer paulista, em que cada individuo escolhe uma cor para o seu trabalho de rua. No trabalho de Os Gémios a cor predominante é o amarelo, em Crânio é o azul e em Finok é o verde. A cor verde tem acompanhado sempre o trabalho deste artista, tanto na rua como no estúdio, mas é no estúdio que expande sua paleta para as mais variadas cores, mas sempre sem esquecer a influência do verde nas outras cores. Daí a outra cor mais utlizada em, quase, toda a obra de Finok ser o vermelho, cor complementar do verde. Assim, quase todo sua obra é composta, predominantemente, por estas duas cores nas suas variadas nuance.
A peça “O Egoísta” (fig.3) dá imagem ao panfleto informativo da exposição, panfleto que pode ser quase com um print que pudemos emoldurar, devido à sua alta qualidade de imagem. A imagem não esta reproduzida na sua totalidade sendo um pormenor central da peça. A figura central é um homem a pescar um peixe, mas é um homem hibrido de peixe, sendo a sua parte inferior do corpo uma cauda de peixe, igual à do peixe que pesca. No cimo da peça observamos, como que, uma moldura de madeira com a palavra “contra” gravada. A junção da palavra gravada, da figuração e do nome da obra cria, como que um paradoxo. Isto porque, um homem-peixe que pesca um peixe é como se estivesse a pescar a ele mesmo, concebendo um dilema ético que é reforçado com as duas palavras: “egoísta” e “contra”. As relações entre os três elementos podem levar às mais variadas interpretações, fazendo com que a sua própria interpretação seja um paradoxo.
Outra peça de destaque na exposição é uma escultura de madeira pendurada na parede, intitulada “Erro” (fig.4). A obra não se resume apenas à peça física, é acompanhada de velas brancas acesas no chão, que lhe atribuí uma conotação de culto. A peça é um tridente, que nas suas extremidades contem outros elementos, compostos por: três mascaras em forma de gota, outro tridente em posição inversa, uma âncora e um elemento tribal. Esta peça invoca a rituais de culto pagão, característica comum na sua obra, com provável, natureza sincrética. O facto de a obra se intitular “Erro” dá origem a uma múltipla interpretação, que nos leva a reflectir sobre o acto de culto/adoração e os “erros” cometidos em nome do mesmo.
Plasticamente é um artista bastante diversificado trabalhando a madeira, têxteis, pintura acrílica e em aerossol. Mesmo se não tivéssemos conhecimento da sua ligação ao graffiti/street art esta é bastante notório em, quase, toda a sua obra devido à utilização de aerossol ou spray, comum na prática da arte urbana. Toda a sua técnica de pintura remete para a cultura graffiti, com o uso do stencil, cores solidas, sombras marcadas e quase que padronizadas, onde é possível ver a sobreposição solida da tinta como que se de uma peça de arte urbana se trata-se.
A exposição é pequena e simples, contudo demonstra eficazmente a obra deste jovem artista em início de carreira. A plataforma Underdogs consegue, assim, mostrar ao público as potencialidades que estes novos artistas e a cultura urbana podem trazer à arte contemporânea, uma vertente artística inicialmente marginalizada e agora institucionalmente musealizada.