Shadow of a Doubt

Exposição «Shadow of a Doubt» – Fotografia no Chiado8, Lisboa 13 Novembro 2014 – 31 de Dezembro 2014 (prolongada até 30 Janeiro 2015)

por Joana Ottone

A exposição colectiva de fotografia Shadow of a Doubt esteve patente no Chiado8 – Arte Contemporânea, inicialmente de 13 de Novembro de 2014 a 31 de Dezembro de 2014, prolongou-se depois até dia 30 de Janeiro de 2015.

Num espaço organizado de forma complexa, a ocupação total das paredes das salas principais e das zonas de passagem entre elas, reforça a multiplicidade dos olhares dos treze artistas presentes.

Destaca-se, com maior número de obras, José M. Rodrigues, com trabalhos, não só fotográficos, mas também de instalação. Os outros artistas estão representados por apenas um trabalho, ou uma série.

Todos estes trabalhos são provenientes de coleções portuguesas, tendo sido retirados do seu contexto conceptual e temporal para integrarem esta exposição. Contemplando obras datadas, desde 1982 a 2014, não se estabelecem, de uma forma imediata, relações formais ou temáticas.

O circuito desta exposição inicia-se com a obra mais antiga, Elementos 20 de José M. Rodrigues, em destaque, de frente para a entrada. De notar, que não existe um itinerário ou cronologia definidos, podendo-se passar, livremente, de sala para sala. A restante obra de José M. Rodrigues distribui-se por mais três espaços: uma sala com as fotografias dispostas em redor de um objecto, um pequeno espaço de passagem com uma instalação e uma fotografia, e outra instalação, sobre a bacia com água, existente na galeria. Na primeira sala, todos os trabalhos fotográficos, a cores, são emoldurados a dourado, tendo todos a mesma dimensão. Estas fotografias relacionam-se com o objecto no centro da sala, um coração no interior de uma redoma. Se algumas das imagens têm ligações cromáticas óbvias entre elas, o conjunto apresenta fortes discrepâncias que dificultam a leitura. Porém, a unidade criada pela montagem cuidada cria um ambiente propício à evocação e à narrativa.

No pequeno espaço, entre a primeira sala e uma das salas que se seguem, encontra-se um instalação e uma única fotografia. A instalação, sem título, realizada em 2014, conjuga a fotografia a preto e branco, de um céu nublado, com um placa de acrílico com algumas aplicações douradas. Do lado oposto da divisão, pode-se observar uma fotografia a preto e branco de um caracol com uma moldura, tal como as da sala anterior, dourada. Esta divisão, possuí a sua própria narrativa, e por ser um espaço tão fechado, a imagem das nuvens no céu estabelece uma abertura ao mundo exterior.

O terceiro, e último, espaço onde é exibida a obra de José M. Rodrigues, Prumo, encontra-se no corredor que dá para a saída. Sobre uma bacia com água (e um peixe encarnado) encontra-se um fio de prumo, onde está impressa a imagem de um coração. A cor dourada presente nas molduras das duas salas, nas aplicações da primeira instalação e no Prumo, cria conexões (ainda que subtis) entre as obras deste artista.

Os restantes doze artistas têm a sua obra distribuída por duas salas. As suas fotografias apresentam-se com formatos muito variados, dispostas em conjuntos ou isoladas, com molduras de distintas cores e materiais, que exaltam a diferença e a multiplicidade de “olhares”.

Numa das salas coabitam paisagens (interiores e exteriores) e retratos, de sete dos fotógrafos, numa aparente desordem expositiva. As duas fotografias, respectivamente de Anya Gallaccio e Sarah Jones, revelam paisagens naturais verdejantes onde se perdem personagens que se relacionam com o espaço envolvente de forma algo enigmática. Este tipo de relação personagem/espaço é também visível na obra Looking Out de Sam Taylor-Wood, embora esta ocorra num interior. As fotografias de Pedro Lobo, Rachel Whiteread e  Sarah Dobai retratam espaços interiores desabitados, onde os vestígios da presença humana expressam o abandono e a ausência. Os dois retratos, de Catherine Bertola, pelo uso do enquadramento em grande plano e de uma técnica inusitada (impressos em puzzle, com os olhos deliberadamente trocados) contrasta fortemente com o aspecto mais “clássico” das outras obras.

Na outra sala, domina a obra de Trevor Appleson, uma série de sete retratos individuais (sobre fundo negro) que ocupa toda uma parede. As duas fotografias, de Paul Graham, da série Television Portrait, com as suas tonalidades escuras e um personagem que se destaca, conjugam-se facilmente com as obras anteriores. A iluminação nestes trabalhos é um factor determinante para a exaltação da personagem. No entanto, as restantes imagens contrastam com esta “estética” pelas suas cores mais claras e vivas. A fotografia de Tracey Emin, Outside Myself estabelece, de certa forma, uma ligação entre os retratos e as restantes fotografias.  A personagem retratada a ler, tendo como fundo uma zona desértica, cria essa ligação. As duas séries restantes não contêm figura humana, apesar de apresentarem vestígios da sua presença, aproximando-se das obras observadas na outra sala. A série de João Paulo Serafim, A invenção da memória, representa imagens de um arquivo onde os documentos se organizam e alinham. Numa outra forma de preservação da memória, Nigel Shafran retrata parte de uma cozinha, fotografada em vários dias, ao longo do ano de 2010.

Toda esta diversidade parece confrontar as teorias e métodos expositivos considerados paradigmáticos: ao invés de paredes quase vazias, de obras organizadas de forma cronológica, por dimensão e/ou formato, por proposta temática – assiste-se a um acumular de visões, que surgem simultaneamente, provocando no observador alguma perplexidade…

Se um dos aspectos mais interessante desta exposição era o facto do seu curador participar também enquanto artista, questionamos qual o peso que os seu trabalhos adquirem: foi a partir das suas obras que foi feita a escolha das outras imagens/artistas, ou a partir destas, nasceu a seleção e montagem da sua obra? Pretende José M. Rodrigues coordenar os seus trabalhos com os dos outros fotógrafos ou exaltar as diferenças entre pontos de vista? A partir da leitura quer do texto do catálogo, quer do conjunto de obras, conclui-se que a segunda hipótese se põe como a mais provável.

“As distâncias do olhar aproximam-se. Espaços iguais? Simetria? Não há regras. Está tudo ligado para nos mostrar o milagre. Cada momento é outro e mais outro, mas todos ligados entre si são, em conjunto, o espaço da materialização da imagem.”  (José M. Rodrigues)