Exposição «Salette Tavares: Poesia Espacial» – FCG-CAM – Galeria, Lisboa 17 Outubro 2014 (inauguração) – 25 janeiro 2015
por Margarida Eloy
Encontra-se presente na galeria de exposições temporárias do CAM da Gulbenkian a exposição “Salette Tavares: poesia espacial”, com curadoria de Margarida Brito Alves e Patrícia Rosas.
Salette Tavares (1922-1994), foi uma escritora Portuguesa nascida em Moçambique, formada em Filosofia e Estética. Embora tenha produzido diversas obras literárias e artísticas, ficou conhecida sobretudo pelo seu envolvimento na poesia experimental dos anos 60. A sua obra cruzou a produção literária e a prática artística, estendendo-se à poesia visual, à sua exploração tridimensional e à produção de objetos.
Trata-se de uma retrospetiva da carreira de Sallete Tavares e de um aspecto muito presente na sua obra, a exploração da “dialética das formas”. Para esta mostra foram reunidos trabalhos em múltiplos domínios, alguns deles inéditos e outros reconstruídos para esta mostra.
A abordagem relativa à “Dialética das formas”, trata-se de uma exploração do discurso e da linguagem enquanto forma física e espacial. Salette trabalha a poesia, não como linguagem escrita, mas sim como linguagem espacial, tridimensional. Procura dar forma á poesia, tirando proveito da tipografia das palavras e da pontuação, criando ritmos esculturais que se espalham pelo espaço expositivo.
A exposição divide-se em três salas, a primeira, com um corredor inicial onde se observam textos de Salette nas paredes e três obras, um quadro com desenho e escrita, uma chapa de metal com letras marcadas que explora a tipografia da palavra Alquerubim, e no fundo do corredor uma peça escultórica, um mobile de aço inox, onde se pode observar a junção de inúmeras letras do alfabeto, esta peça foi inspirada pelo poema “Maquinin”, que deu nome à peça criada em 1963.
Ao entrar na segunda sala observamos uma diversidade de objetos artísticos, desde desenho, escultura, instalação e fotografia.
No centro da sala é possível observar uma mesa com uma peça que pretende ilustrar a frase popular “O rato roeu a rolha do rei da Rússia”, tal como esta, existem outras representações semelhantes, como o cartaz tipográfico com o nome “O menino Ivo” de 1963.
Junto à parede encontra-se uma mesa cheia de objetos escultóricos, de madeira, feitos pela artista. Embora não sejam, uma exploração direta da palavra e do discurso, parecem-me suscitar a ideia que estas obras são a projeção simples do significado do seu titulo. Isto é, as figuras presentes na mesa, têm o titulo daquilo que parecem representar, ao observar-mos uma figura de um cavalo, notamos que o titulo dessa obra é a palavra cavalo. A autora pretende assim, a anulação de uma dimensão simbólica e a presença do significado direto da palavra sob o objeto representado.
Existe uma constante exploração da linguagem, que se bifurca. Salette explora dois tipos de abordagem face à linguagem. A primeira, é a linguagem enquanto forma, pelo uso dos elementos da palavra e da pontuação. Como se observa na maioria das peças da exposição, e sobretudo na peça “Jarra pontos e vírgulas” de 1959/63. O segundo tipo de abordagem face à linguagem, é através do uso do suporte da linguagem para realçar a ausência dos seus elementos, palavras e pontuação.
Até aqui, a autora explorou a linguagem enquanto forma, utilizando os elementos da escrita, nesta segunda abordagem foca-se na ausência destes elementos, pelo uso do silêncio. Em “livros efémeros” de 1979, podemos observar dois livros feitos de seda onde não foi impresso nenhum texto. Os livros, são conhecidos como suportes de linguagem, neste caso da linguagem escrita, algo que foi certamente pensado pela artista. Salette, viu nos livros a potencialidade da linguagem como discurso, e como parte integrante do discurso, o silêncio, elemento que embora seja fulcral, é muitas vezes esquecido na linguagem. Os “Livros efémeros” são livros cujas páginas se mantiveram em branco, onde nada foi impresso, e apenas se observam folhas vazias de caracteres. A autora, conseguiu com esta peça, dar uma abordagem da linguagem enquanto forma e ao mesmo tempo enquanto ausência. Salette utiliza o silêncio como elemento que simboliza a ausência de forma, mas ao mesmo tempo torna este elemento físico ao colocá-lo sobre o suporte do livro, o branco é aqui a versão física do silêncio, é a sensação do nada e do vazio. Mas não devemos esquecer que o silêncio é um elemento importante do discurso, que não é exato, mas que é extremamente simbólico. Pode simbolizar diversas intenções: desde a falta de conhecimento, à pausa de pensamento, e à abstinência consciente do discurso.
Ainda neste espaço, está presente uma montra, onde se encontram os estudos para as obras desenvolvidas por Salette Tavares ao longo dos anos, e alguns livros que inspiraram estas criações. Existe também uma mesa onde podemos observar fotografias que parecem fazer parte da infância da artista.
Na terceira e última sala existe apenas um objecto, um mobile em cobre cromado. Esta peça tem o nome de Bailia e é uma réplica da peça original de 1979, este mobile foi criado como uma representação tridimensional do poema “Bailia das avelaneiras” do trovador Aitas Nunes de Santiago. Ao ver a peça com pormenor compreendemos que são as frases do poema que observamos, e que através da iluminação de um único foco de luz, e da movimentação própria do mobile, este poema ganha uma nova vida perante o espectador, trata-se de uma forma inovadora de ler e sentir a poesia.
Esta exposição apresenta-se como uma retrospetiva do trabalho de Salette Tavares, embora o que seja aqui trabalhado seja a tridimensionalidade da linguagem escrita que ganha aqui uma nova vida e uma nova compreensão. Enquanto o palavreado das obras literárias apresenta um discurso individual e de certa forma egoísta, visto que que o leitor tem de chegar à história que ali está, no seu meio especifico e que nenhuma intersecção física pode ter com quem a lê. O discurso que Salette apresenta nas suas obras de linguagem física e tridimensional permitem um dialogo com o espetador, devido á forma como estas obras reagem com o espaço e o movimento, mas também porque partilham a mesma condição física que o ser humano.
Embora as obras sejam de diferentes tipos, como cartazes, esculturas, instalações, partilham a mesma noção de “Poesia espacial”, de linguagem tridimensional através da exploração da palavra como forma, esta partilha de conteúdo concede à exposição alguma coerência.
Entende-se que ao ser uma exposição retrospetiva, possa existir um certo carácter biográfico na forma como as obras são apresentadas, a presença de uma mesa com fotografias da autora acaba por se mostrar bastante acessória, pois não está ligada à noção da poesia espacial, nem se liga organicamente com as obras expostas, não enriquece o espólio da exposição.
A exposição mostra coerência temática que une a diversidade formal. A iluminação é difusa, e não parece ter em atenção a tridimensionalidade dos objetos, tornando-os, à primeira vista, objetos planos e sem grande interesse escultórico. Esta percepção é alterada quando nos aproxima-mos das obras e entendemos que as suas potencialidades visuais e escultóricas poderiam ser exploradas pelo uso de outra iluminação, mais especializada, que permitisse um maior destaque da obra face ao ambiente que a rodeia.
A ferramenta da luz poderia completar a exploração da linguagem enquanto forma, apoiando a noção presente na obra de Salette Tavares.