Exposição «7 Mil Milhões de Outros»

Parceria Fundação EDP, Projeto Memória e Good Planet Foundation Museu da Eletricidade, Lisboa 8 Novembro 2014 – 8 Fevereiro 2015

por Carina Fonseca

“Quem são, como vivem, o que sonham, o que têm a dizer os 7 mil milhões de habitantes do planeta? O que os une e os separa? Uma exposição que é o retrato vivo da humanidade dos nossos dias.” – Texto de apresentação da exposição.

Não é uma exposição de arte, contudo…

Não é propriamente uma exposição de obras de arte, mas artística na forma de comunicar com o visitante. Há uma sensibilização humana através, não de objetos, mas de histórias contadas na primeira pessoa.

Vagueando pelo espaço, como quem salta de sala para sala, de tema para tema, saltamos de espaços como quem salta de realidades, percorrendo um labirinto de memórias.

Não é uma exposição de arte, contudo…

A opção expositiva vai muito de encontro ao conceito da black box (caixa preta, sala negra), uma referência à câmera obscura na fotografia, que transporta quem lá está para uma realidade paralela envolta em mistério. Poderia ter assumido o conceito literal de white cube (cubo branco, sala branca), uma opção expositiva muito usada por curadores de arte contemporânea nos dias de hoje. Contudo, o negro recria salas de cinema, tornando a imagem mais definida e uma maior noção de proximidade. A atenção do observador vai se focar numa imagem em movimento que sucessivamente vai alterando. Deixa no ar uma sensação de solidão confortável onde não existe tempo nem espaço – apenas o eu e o outro.

Não é uma exposição de arte, contudo…

É um projeto desafiante, tanto na sua criação como na forma de o expor. Este tipo de trabalho é difícil de recolher, preservar e exibir, e projetos em “tempo real” tornam-se impraticáveis nos museus. Sou da mesma opinião de vários outros estudiosos no seio da arte multimédia. Tal como Christiane Paul afirma no seu livro: New media in the white cube and beyond: curatorial models for digital art, as instituições não estão preparadas para mostrar este tipo de trabalhos. A grande maioria das instituições, nacionais e internacionais, simplesmente não compreende esta forma artística, não incluem nas suas coleções este tipo de arte e não a expõem, criando lacunas acentuadas na história da arte. O Museu da Eletricidade consegue assim trazer para dentro das suas “quatro paredes”, algo que para a maioria dos museus seria impraticável.

Não é uma exposição de arte, contudo…

É uma exposição que questiona museus e galerias, na sua noção de história, património e tempo. Estes são cada vez mais espaços de memória. Lidam com coisas, objetos, materialidade e aparentemente permanecem resistentes ás alterações de discurso que as novas tecnologias criaram.

A importância desta exposição pode não ser óbvia, contudo apresenta uma profunda reflexão sobre a condição humana e a condição tecnológica corrente. São estas tecnologias que levam á globalização e um conjunto de fenómenos ligados a isso. É uma exposição que está a ser muito bem recebida e tornou-se popular entre as novas gerações, pois um mundo sem jogos de vídeo, efeitos especiais de computador, internet, telemoveis etc., é inconcebível.

Este tipo de projetos ganha relevância no mundo da arte, contudo, a sua autenticidade e unicidade continua a ser questionada, recusando por vezes a sua essência enquanto obra de arte. Alexandre Melo, em Sistema da arte contemporânea, chega a afirmar que o que é ou não considerado arte varía de uma sociedade e de uma época para outra, no tempo e no espaço, havendo mesmo épocas e sociedades em que tal noção não existe. E acrescenta, se um objeto for consensualmente comentado, transacionado e exposto como se fosse uma obra de arte, na sociedade e na situação onde se insere, ele é uma obra de arte.

Põe em causa o conceito, por exemplo de Walter Benjamim, de autenticidade enquanto aqui e agora da obra de arte – a sua existência única no lugar em que se encontra.

Algo curioso neste tipo de trabalhos é a possibilidade de poder ser visto em vários lugares ao mesmo tempo, porém, exibidos de forma diferente, dependendo de uma variedade de fatores como a opção do produtor, o espaço de exibição, ou mesmo as pessoas envolvidas na instalação.

Todo o projeto, com descrição e filmagens, está acessível na internet. Embora haja uma democratização aparente da arte, uma vez que há a tentativa de chegar ao maior número possível de pessoas, esta premissa não é realista. Embora seja uma exposição itinerante e desenvolvida na internet, não chega a todos, embora tente! É no fundo uma produção com grande qualidade que faz refletir, chorar e rir, que mexe com os sentidos e nos deixa indefesos perante a realidade.

 Não é uma exposição de arte, contudo…

Aquilo que escolhemos mostrar hoje e preservar para as futuras gerações, determinará o futuro. Esta exposição torna-se assim, como o próprio texto de apresentação refere, “o retrato vivo da humanidade dos nossos dias”.